terça-feira, 9 de outubro de 2018

As lições que a balsonarização do Brasil nos devem lembrar


Tenho amigos, que me dizem ter sido perfeitamente expectável o sucedido nas eleições brasileiras, levando em conta o comportamento do PT durante os anos de presidência de Lula da Silva e de Dilma Roussef. E, de facto, tenho de reconhecer-lhes alguma razão, mas não propriamente pelos motivos que os levam a proferir tal juízo.
Se existem lições a recolher do fracasso da esquerda brasileira importa alinhá-las antes que um qualquer Ventura (o racista acabado de sair do PSD de Loures com a promessa de criação de um novo partido alinhado com a sua delirante, mas não negligenciável, xenofobia!) ou um qualquer Santana Lopes (não tão diferente do anterior em oportunismo!) se convertam numa réplica lusa de Jair Bolsonaro.
A primeira lição é a de qual deve ser o comportamento da esquerda, quando conquista o poder. Allende já demonstrara no início dos anos 70, que uma verdadeira transformação política e social não pode ser feita sem levar em conta os inimigos, que se concertam na sombra para a impedir. Ora o PT cai pela conjugação de esforços da comunicação social - toda na posse de grandes grupos económicos! - dos juízes e procuradores e das igrejas evangélicas. Não deixando totalmente de lado os militares que, se não têm o poder dos anos sessenta, ainda assombram a tranquilidade dos democratas, que não esquecem o seu papel como assassinos e torturadores.
Olhar para esses inimigos deveria ser uma das principais preocupações da atual maioria parlamentar.  E agir em conformidade.
É aceitável que todas as televisões, rádios e jornais estejam mobilizados para denegrir o mais possível o governo de António Costa e deem privilegiado tempo de antena a um partido cuja verdadeira dimensão política  não anda longe dos tempos em que os seus deputados quase chegariam para a lotação de um táxi? Que esperam os partidos das esquerdas para transformarem a RTP e a RDP em canais de informação digna desse nome, que equilibrem uma balança a pender indevidamente para o lado da oposição? É tempo de se acabarem com os pruridos do tempo em que Sócrates foi acusado de assumir a orientação da TVI, porque o seu fracasso - se é que alguma vez tentou consegui-lo! - só significou que não conseguiu desalojar de lá quem pugna diariamente pelos interesses das direitas.
É aceitável que se mantenha o logro de ter sido irrepreensível o mandato de Joana Marques Vidal, quando foi evidente a parcialidade das investigações, que promoveu, priorizando as que prejudicassem os socialistas e deixando em rédea livre os Dias Loureiros, os Paulos Portas, os Marques Mendes, os Cavacos Silvas, os Miguéis Relvas ou os Passos Coelhos que, em conjunto, terão sido responsáveis por valores de corrupção sem comparação, por excesso, com os que lhe criaram tão boa imprensa? E por quanto tempo se aceita manter Carlos Alexandre como juiz determinante para o que se passa na Justiça, quando sempre demonstrou a iniquidade dos seus atos, validando estratégias ilegítimas do ministério público e nunca defendendo os direitos dos arguidos quanto à presunção da inocência até à efetiva demonstração da sua culpabilidade?
E por quanto tempo mais se aceita a proliferação em Portugal de igrejas evangélicas cujo papel de quintas colunas de interesses políticos ultramontanos se têm demonstrado evidentes, quer em África, quer no Brasil? A exemplo do que a Alemanha decidiu há décadas a respeito da seita da Cientologia, que se espera para as proibir ou, pelo menos, acabar-lhes com as facilidades fiscais  que usufruem à pala de uma imprudente liberdade religiosa consignada na Constituição?
Podemos congratularmo-nos com o facto de António Costa ter-se apoiado pouco nas direitas no que foi decidiu nos últimos três anos, mas a importância conferida à Concertação Social, onde o capital  tem assento maioritário, comparativamente com o devido aos trabalhadores, mal representados pela ambígua UGT e pela dogmática da CGTP, continua a dar fôlego a uma cultura de «colaboração» com as forças, que são sobretudo de bloqueio.
Lula foi obrigado a ceder ainda mais, porque nunca teve maioria para cumprir a sua visão para um Brasil melhor, e iludiu-se com a possibilidade de, nada fazendo para contrariar a corrupção dominante, os inimigos o deixariam sossegar. A ingenuidade sai-lhe cara e está a ser paga com a revoltante condição de preso em Curitiba.
Até agora António Costa não foi obrigado a andar de braço dado com os maiores empresários do país, porque as esquerdas têm-lhe poupado esse perigoso espetáculo. Mas não bastará dizer-se amigo de quem lhe tem propiciado as condições para governar sem sobressaltos nestes três anos. Casar talvez seja excessivo, mas perante cenários economicamente mais desfavoráveis como os aventados por muitos economistas de indubitável seriedade, ver-se-á sujeito à prova: ou opta por assumir que estamos numa guerra (a incontornável luta de classes), com o que isso implica em tomar atempadas medidas, que limitem tempestades futuras, ou põe a cabeça na areia e, quando chegarem os furacões, já não serão os Rios a darem-lhe a mão. Serão os lusos Balsonaros a evidenciarem-lhe a imprudência de não lhes ter cortado o caminho, quando ainda haveria tempo para o fazer.

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