quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Porque foi descabido convocar na entrevista ao juiz Alexandre?


«O General e o seu Labirinto» e «Relato de um Náufrago» são dois romances excelentes de Gabriel Garcia Marquez, de quem poderíamos assinalar uma dezena e meia de títulos, igualmente brilhantes, com «Cem Anos de Solidão» como sua obra maior. Mas se se chama à colação o escritor colombiano é por ter sido indevidamente referenciado na entrevista de ontem com o juiz Carlos Alexandre, quando ele se identifica mais com o náufrago do que com o general a contas com o impasse a que a vida o conduzira.  Ora ele não tem nada a ver, nem com um, nem com o outro. Embora queira fazer o número do pobre desgraçadinho, que veio da província para a capital depois do percurso por um trilho pedregoso, o personagem é muito mais do que o fascista em potência, que lhe adivinhamos sob a pele, émulo de tantos detentores de poder, vindos das classes mais baixas, a fazerem-se tiranos, quando se julgam acima da lei. A História ainda está por clarificar a rede de cumplicidades, que ele terá integrado para condicionar politicamente o rumo do país. E quem, na sombra, terá servido de titereiro de marionetas de um teatro absurdo que tem tido em Joana Marques Vidal, Rosário Teixeira e Alexandre algumas das suas principais marionetas.
Não são os romances de Garcia Marquez a poderem servir de caução intelectual para os enredos do juiz, porque neles não existem confrontos na sombra: a guerra, quando se disputa, é cara-a-cara, sem poses de sacristão. Alexandre poderia mais facilmente associar-se aos personagens de Mário Puzo ou de Dan Brown, em que personagens agem na sombra para controlarem a vida dos demais. E ele, ao invés de se pretender um franco-atirador solitário, mais não é do que um sicário, agindo por conta de interesses, que os jornalistas têm pejo em perguntar-lhe.
Que a vida não lhe está a correr de feição, reflete-o a confissão de contar um a um os dois mil dias, que lhe faltam para a reforma.  No fundo poderá estar intimidado por ter afinado a pontaria, ter disparado contra quem lhe encomendaram, mas o aparente tiro mortal ter embatido num colete antibala, que ameaça fazer-lhe ricochete. Será, provavelmente, por medo das represálias, que se fez convidado da RTP para repetir a já conhecida versão  da invocação de inocência. Sobretudo, porque arrisca-se a que o colega desmascare os vícios de forma e de conteúdo inerentes às decisões anteriormente tomadas contra o antigo primeiro-ministro socialista. Que resultará de uma investigação séria à sua atuação em todo o processo? Ele já vai adiantando que confia na possibilidade de os colegas juízes lhe virem a dar razão. Mas poderia ser outra a alegação de inocência de um putativo culpado?
O escândalo do caso está no papel da RTP, canal público, onde as direitas imperam como se mandassem no país e os meios de comunicação social tenham de ser exclusiva coutada sua, e se converteu, com essa entrevista, num veículo de mera propaganda de um produto com prazo de validade há muito esgotado.

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