Ao olharmos para os telejornais destes dias é inevitável constatarmos que temos escassos motivos para nos admirarmos com a quase certa vitória do jagunço brasileiro. Observada de fora essa campanha eleitoral parece concitar o que de mais negativo existe na política, causando estupefação como consegue arrastar em seu apoio uma tão generalizada rendição de quem deveria estar na primeira linha do combate para a derrotar. De dentro, e sobretudo perante toda a manipulação operada a partir das redes sociais, das igrejas evangélicas ou do empório da Globo torna-se entendível que gente deplorável (como a que Hillary Clinton desqualificara nas eleições norte-americanas) assuma decisões, que só terá razão para vir a dela arrepender-se. Ou não, porque a inteligência da generalidade das pessoas relativamente aos seus atributos de cidadania responsável vem-se revelando muito limitada para não dizer que anda situada nos parâmetros da pura idiotice.
Nos referidos telejornais vemos duas situações, que revelam essa permanência do erro de apreciação coletivo sem que haja o conveniente despertar sobre o seu logro. A primeira tem a ver com os elogios de Marcelo aquando da condecoração atribuída à antiga procuradora-geral da República. Nada nas suas palavras corresponde à verdade, porque a dita cuja nem combateu eficazmente a corrupção, nem primou pela coragem. De facto, e recorrendo a conhecida anedota, ela estendeu um longo pavio de dinamite para tão chocha explosão. Ou questionada de outra forma: quantos casos de corrupção abertos no seu mandato de seis anos se saldaram por efetiva condenação dos investigados? Quantos casos, curiosamente quase todos associados a políticos de direita, foram arquivados, apesar dos indícios mais do que consistentes quando à substância das correspondentes suspeitas? Como foi possível que o país aceitasse contínuas violações ao segredo de justiça e ao desrespeito dos suspeitos quanto à presunção da sua inocência?
Se o país político agisse em conformidade com uma análise objetiva do comportamento da condecorada, ao seu mérito nem deveria caber uma medalha de latão. Pelo contrário deveria estar a ser investigada quanto ao servir-se do cargo para cumprir a agenda política dos que continuam a nela apostar como improvável heroína.
A outra situação tem a ver com o mais recente livro de Cavaco Silva. Pobres árvores que foram abatidas para que o personagem nelas afixasse toda a sua verborreia despeitada. Se as televisões têm tido mérito na divulgação de algumas partes do vómito só lhes devemos reconhecer a possibilidade de vermos mais do que confirmadas todas as péssimas opiniões, que ele nos merece. No entanto, ainda há quem acredite que ele era economista de mérito - coisa que nunca foi! - ou político exemplar—o que ainda menos conseguiu ser. Pelo contrário ele é exemplo lapidar—para utilizarmos o conhecido título do romance de Robert Musi - de homem sem qualidades e com quase todos os defeitos. Cavaco mostrou-se vil para com quem odiou, desde José Saramago a António Costa, oportunista ao surgir no Congresso da Figueira da Foz para liderar o PPD, quando Mário Soares acabava de garantir um fluxo prodigioso de dinheiro europeu para desenvolver o país (quão fácil foi parecer grande político às custas de tal «milagre»), ganancioso como o demonstrou com o negócio da Casa da Coelha ou com as ações do BPN «compradas» e vendidas no tempo certo, e com comportamento de pequeno chefe mafioso capaz de reunir em seu torno uma corte de oportunistas, todos eles vindos de estratos economicamente remediados (a pequena-burguesia que costuma servir de base social aos movimentos fascistas!), e todos eles hoje integráveis no restrito lote dos noventa mil milionários lusos.
Que Joana Marques Vidal e Aníbal Cavaco Silva continuem a ser admirados por tantos mentecaptos só nos ajuda a compreender como é possível que, no Brasil, o palácio do Planalto venha a ser ocupado por um assumido troglodita.
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