quinta-feira, 14 de junho de 2018

Do aniversário de Che Guevara à anunciada crise alemã


Acaso Ernesto Che Guevara tivesse escapado à funesta aventura boliviana, e a outras que lhe estimulariam o voluntarismo revolucionário, e comemoraria hoje noventa anos de vida.
Nem vale a pena pensarmos em quem se teria tornado até por termos padrão comparativo com Fidel, cuja velhice  não afetou a coerência com que manteve a firmeza ideológica, por muito que ela possa ser vista com distanciamento face a não ter cumprido grande parte das expetativas criadas aquando da vitória contra a ditadura de Fulgêncio Batista, por muito que tenha usado e abusado dos argumentos relativos aos efeitos do bloqueio norte-americano e das contínuas ações de sabotagem da CIA para justificar os muitos erros da Revolucion.
O próprio Che teve uma vida tão rica, quanto pejada de erros estratégicos. Adivinhamo-lo mais tentado a guiar-se pelas emoções do que pela racionalidade sugerida pela ideologia. Sobretudo porque, tendo ensaiado formas de vencer o imobilismo mental dos explorados a quem pretendera ajudar, quer no Congo, quer na América Latina, nunca encontrou forma de o quebrar e transformá-lo numa dinâmica militante. Se é certo que para a sua morte muito tenha contribuído o boicote sectário dos comunistas bolivianos, ele terá sentido uma enorme solidão nos dias derradeiros, aqueles em que, adoentado, só procurou salvar a sua vida e a dos companheiros. Em vão...
Mas, transformando-se num símbolo, viria a tornar-se historicamente muito mais importante do que se tivesse vencido. Porque significaria doravante o fascínio pela vontade permanente de tudo transformar, de exigir um mundo novo a sério como diria o nosso poeta Aleixo.
Mais realista, mas não menos determinado, parece estar Pedro Sánchez aqui mesmo ao lado. Não só conseguiu formar um governo credível e inovador na clara superioridade da presença feminina, como começa a vê-lo bem avaliado nas sondagens. A desta semana já dá o PSOE à frente de todos os demais partidos se acaso fossem agora organizadas eleições. Ainda que a soma dos votos das direitas (PP + Ciudadanos) ainda lhes permitisse ficar numa situação semelhante à atual de bloqueio sistemático à normalidade governativa. Mas, tal como se revelou hábil na forma como foi vencendo sucessivos desafios, mesmo dentro do seu próprio partido, esperemos que Sanchez se revele uma agradável surpresa. A Europa bem está a precisar de replicar à escala continental as mudanças em curso na Península Ibérica.
Claro que há Trump como fator desestabilizador de tudo quanto se passa à escala global. Mas por muito espavento que tenham as suas ações - e exemplo disso foi o da cimeira de Singapura - o seu saldo poderá ser irrelevante quando sair da Casa Branca. É que a sua futilidade tende a converter em efémero aquilo que gostaria transformar numa permanente contrarrevolução cultural.  Sobretudo, porque contra ela se agitam tantos setores etários, sociais e culturais. Já o que se passa em Itália poderá ter outra durabilidade, porque é mais sólida a substância ideológica dos seus promotores. Embora possamos duvidar da comodidade de muitos quantos se deixaram embalar pelo anarquismo serôdio do palhaço Grillo perante a abjeção da decisão relativa aos refugiados e emigrantes do «Aquarius». Façamos votos para que a esquerda italiana se livre de quem tanto mal lhe tem feito a começar por esse Matteo Renzi por cuja incompetência tantos eleitores italianos se dissociaram de quem melhor os poderia defender.
A curiosidade será acompanhar a evolução da política alemã nos próximos meses, sobretudo se a guerra comercial com a administração norte-americana condicionar seriamente a exportação dos seus automóveis. É que a situação periclitante do seu Deutsche Bank é só o prenuncio de uma crise anunciada, complementada por outra de carácter ambiental, que tem sido escamoteada, mas dificilmente poderá continuar a ser ignorada, tão nefastos têm sido os efeitos da contaminação de solos e recursos aquíferos pelas monoculturas agrícolas e pelas práticas pecuárias.  Depois de ter beneficiado significativamente com a crise dos refugiados, a extrema-direita alemã poderá cavalgar tal situação, mas também será possível o contrário se as esquerdas - a social-democrata, a do Die Linke e os ecologistas - souberem agir com outra argúcia, que até agora lhes tem faltado.

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