terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Um genocídio que não conhece trégua

Com muita frequência, sobretudo por mail (já que no facebook tais «amigos» são prontamente eliminados e bloqueados), chegam-me mensagens que procuram difundir o medo do Outro, sendo este invariavelmente o emigrante negro, proveniente de uma África exaurida pelos monopólios internacionais, ou o refugiado do Médio Oriente, vindo á boleia do alibi das guerras civis a grassarem nos respetivos países.
Essas mensagens ou provêm de ingénuos, que ignoram ou querem esquecer quanto a Humanidade sempre teve estes fenómenos de grandes migrações de populações a abandonarem as terras de origem para buscarem vida mais confortável onde julgam poder encontra-la, ou, pior ainda, são enviadas por quem se identifica com o ódio indisfarçável ao que é a Democracia, uma forma de organização social sempre caracterizada pela inclusão e não pelo seu contrário.
Vem isto a propósito de um excelente documentário produzido na Holanda e que mostra como os governos da União Europeia criaram condições para que a fronteira sul da Europa não funcione nas margens do Mediterrâneo, mas mais a sul, na linha divisória entre o paupérrimo Níger e a caótica Líbia.
Agadez, cidade que foi de encontro das caravanas em tempos dedicadas ao comércio intrassariano, quer no sentido norte sul, quer no oposto, tornou-se base operacional da contenção de quem, vindo de países como a Nigéria, o Senegal ou a Libéria, procura chegar à Europa, ainda tida como espécie de Terra Prometida.
Em tempos a importante cidade do Niger fora cenário preferencial do rali Paris-Dakar, que garantia um afluxo de turistas, que se estendia pelos vários meses do ano e dava sustento aos comerciantes e aos transportadores locais. A insegurança dos últimos anos ditou a necessidade dessa população viver do afluxo de desesperados vindos do Sul e de olhos apontados sempre a norte.
A política repressiva estabelecida a partir de 2015, quando a União Europeia estabeleceu acordos com o regime para que este funcionasse como subcontratado para o controle desse fluxo e, sobretudo para a dissuasão de quem nele apostasse, tem suscitado novo declínio na economia local.
A estratégia de conseguir com que diminuam os pedidos de asilo na Europa, mediante a contratação dos regimes  por onde costumava transitar esse fluxo, está a conhecer consequências humanitárias gravíssimas: inviabilizadas as habituais rotas conhecidas pelos tuaregues, balizadas por poços e oásis com água bastante para garantirem a sobrevivência dos migrantes, leva-os a aventurarem-se por vias alternativas, que correspondem ao seu próprio enterro: hoje, no Saara, encontra-se um número indefinido, mas por certo muito elevado, de jovens, que partiram alimentados pela esperança de um futuro radioso e apenas encontraram a morte.
Mas os perigos, que suscitam terríveis tragédias não se ficam por aí: ao ter apostado no derrube de Khadafi, que conseguia uma eficácia significativa no controle dessas tentativas de chegar à Europa pelo Mediterrâneo, os governos europeus suscitaram um enorme caos na Líbia, causador da distribuição por todo o Sahel da imensa quantidade de armamento armazenada nos paióis do regime. Grande parte foi parar a gangues de bandidos, que assaltam os migrantes, os roubam e os matam, sem que haja governo que lhes trave a  atividade criminosa.
É por isso que se conclui estar em perda o capital político acumulado pela Europa durante décadas, e significando Democracia, Direitos Humanos, apoio ao subdesenvolvimento. Ao cuidar dos fluxos migratórios como exclusiva matéria de Segurança Interna os governos europeus só favorecem as extremas-direitas, que se alimentam precisamente do medo e do ódio a quem é diferente.
Se abordada de forma mais inteligente, nomeadamente, através da criação de condições para o desenvolvimento e a criação de emprego nesses países, não existiriam milhares de jovens, muitos deles saídos das Universidades locais e sem perspetivas de emprego, a aventurarem-se pelas areias saharianas e pelas águas agitadas do Mediterrâneo. Mas isso significaria que a Europa se  reencontrava com o que de melhor continha o projeto original dos seus pais fundadores. Algo de que parece, lamentavelmente, afastada...

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