sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

E se os iludidos começarem a perceber o quanto têm sido enganados?

Nunca tivemos um ator político que se deixasse fotografar em tantas selfies como Marcelo Rebelo de Sousa.
Exercício típico do narcisismo extremo, a selfie dá, a quem nela se figura, a ilusão de não ser a múmia a quem sucedeu. Se em tempos a filosofia propunha a regra «Penso logo existo», neste tempo de hiperindividualização ela tende a ser substituída pela sua versão moderna: «Selfo-me, logo existo». E, de facto, quem é verdadeiramente Marcelo para além dessa aparência, desse constante jogo de máscaras em que, ora afivela a plastificada face compungida pela dor (sobretudo se anda por alturas de Pedrógão!), ora a do sorriso rasgado de quem se julga em permanente estado de festa. Tornando ainda mais significativas as circunstâncias em que se furta a tal exposição: porque será que não se deixar selfizar com as operárias da Triumph?
Pressentimos que ele exista para além dessa imagem fútil e até lhe sugerimos a essência remanescente da família em que nasceu. Fascista se foi, fascista dificilmente se deixará de ser, não é assim?. Mesmo se só se apresente como cristão, que é forma disfarçada de se querer impor aos outros naquilo que eles não querem. Exemplo óbvio desses tiques de ditador sob a capa da mansuetude católica a sua determinante intervenção para que a lei da interrupção da gravidez ficasse adiada por dez anos. Em nome da ideologia impôs a quem nela não cria um modelo de comportamento, que se revelou trágico para quem lhe sofreu as consequências nesse período de espera até tal vontade já não determinar mais atraso em algo que se impunha como necessário.
Ciente da obsolescência do que pensa, do que é, com o contexto em que se comporta como ator, ele disfarça-se de cordeiro nessa constante multiplicação de selfies. Porque ela ilude tudo quanto dele se pressupõe. É a história da jovem turista que se coloca em primeiro plano com a Torre Eiffel por trás e diz que, sem a sua presença, o monumento é banalíssimo, porque dele já se tiraram milhões de fotografias. É ela, com a sua presença, que lhe dá relevância, o torna inédito a seu jeito. Mas quem é ela de facto para lá da sua imagem instantânea? E o que é o monumento perante o qual se coloca como modelo? Uma imagem, que vale apenas pelo que aparenta sem nada dizer do que se esconde nos olhares, nas poses estudadas.
Marcelo pensará isso mesmo: pondo-se a jeito para servir de «monumento» a milhares de caçadores de imagens, imagina-se menos banal, quiçá inédito na sua representação. Ou será que deixando-se fotografar lado a lado, julgará integrar-se no povo a que, por elitista, se sabe não pertencer, mas que entenderá judicioso parecer que o é?
A selfie é a ferramenta que Marcelo achou oportuna para fingir que existe, que é mais do que um corta-fitas ou uma rainha de Inglaterra. E é o paradigma da banalização da função, que prometeu honrar e respeitar. Sem a gravitas, que lhe sugeriria algo de transcendente, de único. E incorrendo num sério risco em que nunca terá pensado: aquele para que Cocteau alertara, quando dissera que até um espelho, antes de devolver a imagem, nela reflete. O que acontecerá a Marcelo se quem por ora se deixa ludibriar pela frivolidade da aparência, começar a questionar o que ela efetivamente significa?

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