quinta-feira, 26 de março de 2020

Porque importa que sejam poucos os que se juntem aos vilões


À partida julgaria improvável que a desumanidade de uns quantos energúmenos não chegasse à dimensão do sucedido na localidade andaluza de La Linea de la Concepcion: as ambulâncias que transportaram vinte e oito idosos infetados foram apedrejadas e as instalações que os receberam atacadas com engenhos explosivos. Mas, depois, associando a notícia com a de alguns meses e atrás quando as direitas espanholas celebraram o afastamento do PSOE do governo da Andaluzia pela primeira vez em democracia, porque se associaram aos fascistas do Vox, entendemos melhor o significado profundo do sucedido. Porque tem-se verificado em vários países a confirmação do provérbio: junta-te aos bons, e serás como eles; junta-te aos maus e serás pior que eles.
De facto enquanto vigoraram linhas vermelhas a impedirem que partidos cristãos-democratas se associassem às extremas-direitas, aqueles continuaram a mascarar a sua natureza por trás de alguns princípios tidos como essenciais. Mas tão só dispostos a aliarem-se a elas para mais facilmente destronarem as esquerdas do poder, constatou-se espúria qualquer distinção entre uns e outros.
O exemplo andaluz serve-nos de pré-aviso quanto ao que pode suceder se, confirmando o que disseram nas respetivas campanhas internas, os líderes do PSD e do CDS não vejam qualquer problema em aliarem-se ao Chega. Uma sociedade em que um tipo de aliança desse tipo se forja prescinde dos seus principais valores civilizacionais e adota comportamentos bárbaros. Não foi por acaso que, no tempo da troika, um deputado do PSD falou da dispensável peste grisalha. Os conceitos desse timbre agitam-se nessas cabeças e, acaso encontrem alibi nas alianças às extremas-direitas, saem livremente sem qualquer moderação quanto a uma ética, em que efetivamente não se reconhecem.
Vemos isso lá fora, quando Bolsonaro arrisca a vida de milhões de brasileiros considerando o covid-19 uma espécie de «resfriadinho». Ou Trump, que quer a economia a funcionar plenamente antes da Páscoa, porque sabe o destino  a si reservado ao chegar à eleição de novembro com a bolsa muito abaixo das cotações de há três anos e meio e a taxa de desemprego a alcançar uns históricos 13% como prevê a Morgan Stanley. Ou ainda Viktor Orban, que dando um passo mais na sua absoluta ditadura, quer passar a governar por decreto. Ou Netanyahu, que aproveita a crise sanitária para adiar mais uma vez o seu encontro com o cárcere.
Mas todos esses são crápulas de alto gabarito. Não se pense, porém, que os não temos em dimensão mais reduzida, mas igualmente nociva, como sucede com os alarmismos do vice-presidente do PSD, que é edil em Ovar e põe em causa os números da Direção Geral de Saúde como se não nos lembrássemos de como ignorou os conselhos para não levar por diante os festejos de Carnaval. Ou outro autarca do PSD, Almeida Henriques - notório passista  e apoiante de Montenegro - que veio reclamar para o hospital de Viseu meios para ele não previstos por não ser considerado de primeira linha no combate ao flagelo. Ou ainda os jornalistas que interpelam Graça Freitas e o secretário de Estado, ou a ministra da Saúde, nas conferências de imprensa do meio-dia, cujas perguntas acintosas merecem, segundo o diretor do «Diário de Notícias», que se os convidem a irem dar banho ao cão.
Estamos, pois, num tempo em que a barbárie, a estupidez e o oportunismo andam de mãos dadas para contrariarem aquilo que a maioria dos portugueses já reconheceu nas sondagens dos últimos dias: que António Costa é o político mais confiável para levá-los a superar este momento difícil. Não admira, por isso, que prevendo o quanto isso porá em causa os seus interesses ideológicos, José Miguel Júdice ande a clamar por um governo de unidade nacional. Ele sabe que, vencida a tormenta, o eleitorado apoiará quem se mostrou à altura das circunstâncias quando elas se declararam...

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