Olhamos os telejornais, os títulos da imprensa escrita ou o que mais se posta nas redes sociais e não é difícil concluirmos existir uma persistente campanha para fomentar em nós o Medo. Se não é o coronavírus é a invasão de refugiados que ameaça tingir de tons mais escuros a alva brancura das peles europeias, se não são os terroristas islâmicos é a próxima crise financeira, que nos empurrará para a mais extrema miséria, se não é a realidade orwelliana em que estamos a ser permanentemente observados, escutados e lidos, é o aquecimento global, que acabará com o nosso tipo de civilização. Se há expressão facial que os mandantes da comunicação social ou os donos dos algoritmos das redes sociais querem que adotemos é a do célebre quadro de Edvard Munch.
Longe vai o tempo em que nos era permitido sonhar: da herança da Revolução Francesa assumia-se a forte probabilidade de criarmos uma sociedade baseada nos três princípios fundamentais - Liberdade, Igualdade e Fraternidade - que Marx depois sistematizaria naquilo que veio a propor no seu Manifesto do Partido Comunista. Milhões de homens e de mulheres sonharam com essa sociedade sem classes em que cada um contribuiria com o seu trabalho para que dele resultasse o suficiente para uma distribuição justa, que a todos satisfizesse.
Era a época da crença numa generosa Utopia, que experiências tragicamente falhadas em diversas geografias, fizeram ruir. Ilegitimamente, mas que importa? Os que tudo tinham a perder com a tradução prática desse futuro melhor para (quase) todos, continuam a defender que a ideia em si não é exequível como se cada inovação, mesmo nas ciências, não decorra de sucessivos testes falhados.
Esses mesmos que nos querem impedir de retomar o direito a sonhar (dizia o António Gedeão que assim pula o mundo e avança!) são os mesmos que nos impõem essa tal expressão gritada do quadro norueguês. Porque são eles quem beneficiam com os nossos medos, são eles que têm tudo a perder se forem obrigados a submeterem-se às medidas necessárias para impedir a concretização de muitos desses medos, nomeadamente os das alterações climáticas. Por isso sabem que, enquanto nos tiverem na pose do personagem do quadro não racionalizamos, não pensamos, ficamos tolhidos por esses medos.
A verdade é que se torna muito mais exaltante adotar uma Visão de futuro otimista, feita de estratégias conducentes a uma sociedade decente (chamemos-lhe humanista) e onde as ignóbeis criaturas das extremas-direitas não tenham lugar como colaterais expressões desses medos.
Há que dar a volta a esta tendência para nos sentirmos acossados por quem nos quer manter em estado de permanentemente assustados. Exigindo por exemplo às nossas esquerdas, que se deixem de fúteis quezílias e nos devolvam as esperanças surgidas no final de 2015, quando demonstraram ser exequível aquilo que, até então, era tido como uma impossibilidade incontornável. Ainda vamos muito a tempo de arrepiar caminho e desarticular as estratégias de que as rtps, as siques ou as cofinas se fazem virulentos altifalantes...
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