terça-feira, 24 de março de 2020

Aquele que está vivo não diga nunca NUNCA!


De súbito aqueles princípios que constituíam o credo axiomático da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Eurogrupo começam a ceder por efeito da força das circunstâncias: Ursula von der Leyen deixou cair a regra da obrigatoriedade do défice abaixo dos 3%; Christine Lagarde, depois de ter dito o contrário, travou às quatro rodas e veio anunciar um vasto programa de compra de dívida pública dos países-membros; e hoje é o dia em que o Eurogrupo começa a discutir a possibilidade de lançar os eurobonds.
A insólita solidariedade europeia tem uma explicação: enquanto em 2008 a crise dos subprime incidira em força nos países do sul, a do coronavírus atinge todos por igual. Para os alemães, holandeses ou finlandeses deixa de fazer sentido a tese oportunista de serem os “madraços” do sul os culpados do que lhes vai acontecendo, porque, se numa primeira fase terão tido essa ilusão ao verem-na a grassar em Itália ou em Espanha, as evidências dos dias mais recentes demonstram-nos igualmente vulneráveis ao malfadado vírus. Porventura mais porque nalguns casos terão minimizado uma ameaça, que se mostra agora avassaladora.
Servirá este momento para que a Europa mude alguma coisa depois de anos a fio enquistada nos dogmas que Schäuble tanto se esforçou em torná-los inquestionáveis, servindo-se da troika como sua santíssima trindade? Não há que alimentar grandes ilusões! Infelizmente a resiliência do capitalismo continua admirável e não é o facto de dar sinais de rebentar aqui e além por algumas costuras, que o porá globalmente em causa no curto ou médio prazo. Mas que algo poderá permanecer e alimentar devir diferente, historicamente anunciado por pequenas mudanças que enchem lentamente o copo e o acabam por fazer extravasar, é sempre hipótese a considerar. Para já estamos naquela fase, que um poema de Brecht traduzia na fórmula: aquele que está vivo não diga nunca NUNCA! Porque algumas das muralhas, até agora inexpugnáveis, estão a dar mostras de tremerem...

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