Na semana passada contratámos uma pequena empresa de serviços para cuidar da substituição dos roletes de um guarda-fatos, que temos no hall de entrada e cujas portas coincidem com o pé-direito da fração. Não se trataria de assunto para aqui chamado se o carpinteiro não viesse acompanhado da esposa e relações públicas, cuja natureza de marechala pronta para dar ordens ao conjugue depressa me impressionou. E, às tantas, falando com a minha mulher sobre a epídemia, que está em todas as conversas, essa interlocutora saiu-se com uma tirada digna dos mais entusiastas apoiantes do Chega: referindo-se aos chineses, particularmente visados pelo novo vírus disse com satisfação algo do género “tomem lá a ver se gostam!”
Lembrei esse episódio ao deparar com a interpretação de Ugo Tramballi, um especialista do Instituto Italiano de Estudos políticos Internacionais, que encara a atual situação com uma preocupação indisfarçável: “Se o vírus for reforçado por uma recessão económica, assistiremos a um crescimento dos populismos e dos nacionalismos, de uma forma ainda mais rápida do que agora.”
Num caldo de cultura, que misture perda de rendimentos com a xenofobia pode potenciar-se o crescimento dos novos monstros surgidos das catacumbas nos últimos anos. Até porque, muitos deles, têm estado a infiltrar-se nas polícias de acordo com uma reportagem dedicada a uma clínica situada no Parque das Nações e cuja publicitada especialidade é remover tatuagens comprometedoras da pele de candidatos às nossas forças armadas ou militarizadas. O anúncio, que atrai a clientela diz precisamente isto: “Se o seu objetivo é concorrer para o Exército, GNR, PSP ou Força Aérea e pretende eliminar a sua tatuagem, entre em contacto connosco”. O jornalista que foi ouvir as funcionárias ouviu-lhes relatos sobre a dissipação de tatuagens de conteúdo racista, extremista e partidário, algumas com a cruz suástica, outras com o próprio nome de Hitler.
Quando lemos sobre intervenções particularmente musculadas dos polícias no Bairro Jamaica, na Cova da Moura ou na Bela Vista podemos sempre questionar-nos até que ponto os «guardiões da ordem» envolvidos não terão comportado alguns desses infiltrados, disponíveis para atirarem combustível para fogueiras entretanto ateadas.
Mas, porque é um fenómeno novo, o Covid-19 também está a sugerir perspetivas de sinal contrário: tendo em conta que a saúde privada nem quer ouvir falar de encargos com esta epidemia voltando a demonstrar quão inútil se revela quando poderia justificar a sua existência, há a antevisão do que pode significar se os Estados Unidos vieram a ser afetados numa dimensão semelhante à da Itália: sem seguros de saúde os eventuais contaminados ver-se-ão abandonados à sua sorte, tornando-se focos difusores da epidemia. A socióloga Nadia Urbinati formula a hipótese de Trump ter no covid-19 o maior obstáculo á reeleição. Porque, de um momento para o outro, os discursos de Bernie Sanders sobre um Serviço Nacional de Saúde replicado dos melhores exemplos europeus - entre os quais citou Portugal - poderá ecoar nos que comprovam a incapacidade da atual Administração para contrariar uma crise sanitária de enorme dimensão...
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