Confinados aos redutos caseiros, não nos poupamos aos riscos de outros vírus tão perigosos quanto o covid-19. Basta ligarmos as televisões e ficarmos por breves instantes a assistir aos programas de «opinião pública» ou, em alternativa, socorrermo-nos das redes sociais e não tivermos depurado suficientemente o tipo de «informação», que ela nos prodigaliza. Os vírus da congénita estupidez ou da mal-intencionada manipulação poupam-nos os pulmões, mas ameaçam afetar-nos as meninges.
Há evidências que, porém, nem as mais elaboradas fake news conseguem contestar: que a atual crise de saúde pública nunca será resolvida com recurso às clínicas e hospitais privados, não se compadecendo a sua natureza lucrativa com uma situação em que os custos sobrelevam em muito os possíveis benefícios financeiros; ou que, quem confia em seguradoras para acautelar dificuldades múltiplas, constata facilmente existirem tais instituições para cobrirem riscos mínimos, porque chegados aos verdadeiramente significativos logo se põem ao fresco.
Os mais lúcidos encontrariam nestes acontecimentos a confirmação dos malefícios do capitalismo e dos tais mercados, que desejariam tão desanuviados dos seus escassos constrangimentos. Dariam razão a quantos teimam em ver nas falhadas experiências alternativas passadas a expetativa de haverem novos caminhos a trilhar com os mesmos objetivos de justiça e igualdade coletivas para os tornar efetivamente bem sucedidos. Porque, como escrevia Pedro Filipe Soares num artigo de opinião na edição de hoje do «Público» “a saída desta crise está numa palavra que a extrema-direita detesta: solidariedade. Entre cada um de nós respeitando as indicações das direções de saúde, entre os povos na partilha de recursos e conhecimento, na investigação conjunta para alcançar uma vacina e nos serviços públicos que são o expoente máximo dessa solidariedade.”
Solidariedade, pois, como um dos valores humanistas, que nunca deveriam estar em causa, mas quase tornado obsceno pelos defensores da privatização total de tudo quanto importa nas nossas vidas. Mas, se quando acabada a crise, enterrados os mortos e cuidados os vivos, fizermos o balanço de tudo quanto sucedeu talvez sobre pelo menos o lado positivo que Paulo Pedroso identificou no artigo que publicou no «Diário de Notícias» e onde assinala um pertinente sinal de esperança para o mundo vindouro: “Vejo as empresas a deixarem os seus trabalhadores escolher práticas de teletrabalho, quando não mesmo a encorajá-las. Vejo instituições a cancelar viagens e substituí-las por videoconferências. Vejo escolas a prepararem a grande velocidade dispositivos que estão disponíveis, mas eram subutilizados, para ensino a distância. O coronavírus está a dar-nos incentivos para agir de modo mais adequado ao necessário para avançarmos para uma sociedade descarbonizada e otimizarmos o recurso a um modo de vida com uma pegada de carbono menor. O que eu estou a aprender é que em muitos domínios já estamos preparados para isso e é o conforto do nosso modo de vida que nos está a impedir de o fazer. Oxalá, quando o vírus se for embora fique na organização das nossas vidas algo deste plano de contingência. Porque se continuarmos com o modo de vida anterior, sobrevivemos ao coronavírus mas o planeta não nos sobrevive a nós.”
Sem comentários:
Enviar um comentário