segunda-feira, 16 de março de 2020

Os tempos que virão


Ao quarto dia de assumida quarentena - embora tenha posto o nariz fora da porta em qualquer dos dias anteriores! - reconheço que me enganei. Apesar de ter criticado asperamente o clima de alarmismo fomentado pelas televisões a ameaça do covid-19  afigura-se mais grave do que imaginara. E todas as recomendações emanadas do Governo e da Direção Geral de Saúde são para levar a sério. O que levanta outra questão, aliás aflorada em dois artigos hoje inseridos no «Público», um de José Gil  e outro de Rui Tavares, sobre o que será o mundo depois de sanada esta crise. O que resultará do medo coletivo e influenciará duradouramente as opções futuras?

Se olharmos para os últimos vinte anos temos de considerar dois acontecimentos maiores como tendo influenciado significativamente o que vivemos depois deles ocorrerem: o 11 de setembro de 2001 e a crise dos subprimes de 2007 culminada na extinção do banco Lehman Brothers no ano seguinte. O primeiro alimentou o fanatismo de alguns grupos islamitas fazendo do terrorismo uma ameaça com que passaríamos a contar como previsível no nosso quotidiano e alterou profundamente os já frágeis equilíbrios no Médio Oriente, quando George Dabliu convenceu Blair e Aznar a acolitarem-no na invasão ao Iraque contando com a nunca por demais lembrada presença de Durão Barroso como servil mordomo. A segunda permitiu ao capitalismo selvagem impor as suas receitas aos países mais expostos às perturbações financeiras, levando muitos cidadãos do sul da Europa a perderem empregos, direitos e remunerações, numa lógica de empobrecimento que só Passos Coelho entendia ser virtuosa.
A pandemia atual tem todas as condições para mudar o nosso vivenciar nos próximos anos. Por agora os otimistas preveem maior adesão à ideia de negar a saúde pública como um negócio privado e a secundarização dos egoísmos individualistas em favor da solidariedade coletiva, mas os pessimistas alertam para o lado perverso da desqualificada globalização, que tende a fechar definitivamente as fronteiras depois de nos termos habituado a vê-las como uma realidade virtual. Provavelmente, como aventa Rui Tavares, o resultado nunca será um ou outro em exclusividade, porque da mistura de ambos se encontrará algum equilíbrio. Mas, nestes dias de forçada clausura há sempre a possibilidade de, nos intervalos das leituras ou dos filmes acumulados nas powerbox para os quais finalmente arranjamos disponibilidade, podermos entreter as meninges com o exercício preditivo sobre o mundo  de amanhã. Com uma certeza quase axiomática: o covid-19 torná-lo-á significativamente diferente deste que, nos últimos anos, temos conhecido.

Sem comentários:

Enviar um comentário