sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

A Justiça a intrometer-se no que só cabe à Política


Um dos paradoxos do nosso tempo português é o desfasamento significativo entre o comportamento dos eleitores e o das instituições, que se incumbem de algumas das mais importantes missões da nossa cidadania. Sociologicamente o país está tão à esquerda que a soma das direitas mal ultrapassa os 30%, mas existe um explicito cerco à ação do governo com uma intensidade bem maior do que a legitimada pelo voto e expressa na Assembleia da República.
Há, em primeiro lugar, a imprensa, toda ela dominada por quem a utiliza como a principal ferramenta da agenda ideológica da direita, sem que tal levante um justificado repúdio coletivo, apesar dessa manipulação informativa expressar-se quotidianamente na escolha dos assuntos abordados nos telejornais, na forma como eles são enviesados para conterem óbvia censura às eventuais insuficiências da governação e no convite a comentadores, quase todos eles oriundos da mesma trincheira política.
Existem depois coisas esdrúxulas como a UTAO, que vira as contas do avesso para produzir conclusões sem consistente fundamento, ou o Conselho das Finanças Públicas donde já se retirou a aventesma Teodora, mas só justifica a existência ao produzir umas larachas preditivas, que os acontecimentos acabam sempre por desmentir. Não é por acaso que as falácias destas duas entidades ganham maior destaque noticioso do que os sucessivos relatórios do Instituto Nacional de Estatística que, por trazerem a crueza dos números indesmentíveis, se veem frequentemente remetidos para os rodapés informativos.
Ultimamente também a provedora da Justiça decidiu dar prova de vida querendo impor ao Estado a subsidiarização dos manuais escolares nos colégios privados como se estes merecessem as regalias do ensino público consagrado constitucionalmente. Da criatura já se conhecia o pendor para votar à direita quando foi juíza do Constitucional, e agora se confirmam os propósitos com que encara o cargo para que foi incompreensivelmente nomeada pela Assembleia da República.
E temos sobretudo os tribunais, há muito tempo zarolhos na forma como condenam uns por receberem robalos ou prendem-nos sem provas e livram outros das culpas com os seus negócios submarinos, arquivando ou demorando as decisões até se prescreverem as possibilidades de deles derivarem consequências. Da primeira instância à Relação, do Supremo ao Constitucional, sem esquecer os procuradores da República, temos uma Justiça mobilizada para derrubar o governo tão-só encontre motivos para avançar com alguma golpada tipo Lava Jacto.
Agora até o Tribunal de Contas - normalmente alheio de tais estratégias - decidiu nelas alinhar com a produção de uma peça inqualificável onde procura fazer política, ao desdizer-se relativamente a decisões a que dera o devido aval.  Fernando Medina reagiu com contida indignação, mas a bastante para demonstrar que, se para o PS tem havido a preocupação de separar a Política da Justiça, respeitando a autonomia desta última, o inverso tem estado longe de suceder.

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