sábado, 4 de janeiro de 2020

Os desabafos de um otimista obrigado a moderar-se


Os fogos na Austrália alcançaram uma dimensão tal, que os bombeiros já se confessam impotentes - e incompetentes! - para os combaterem. Não surpreende, pois, que o primeiro-ministro tenha sido declarado persona non grata nos sítios onde procurou tirar selfies e distribuir abraços junto dos que tudo perderam. É que ninguém esquece o seu descarado negacionismo a respeito das alterações climáticas, refutando as evidências científicas com o mesmo tom acintoso do seu amigo Trump. Nem tão pouco se ignoram as suas ligações aos interesses mineiros australianos, particularmente os relacionados com a extração do carvão. E, cereja em cima do bolo!, não há quem não se indigne com a decisão de partir de férias com a família para o Hawai deixando para trás vastas extensões do país a serem destruídas pelo fogo.
Nas mais recentes eleições legislativas ele ganhara-as contra a maioria das previsões, que o davam como condenado a ser punido eleitoralmente pelos seus dislates. Agora, muitos dos que nele apostaram por liderar a direita com que se identificavam, sofrem as consequências da sua opção, porque nada foi feito para precaver o que os anos anteriores já haviam prognosticado como tendo potencial para muito se agravar.
Em simultâneo com as intensas vagas de calor, que assolam a maior ilha da Oceânia, ocorreram as diluvianas chuvas, que puseram grande parte da população de Jacarta a enfrentar uma inundação como nunca até então conhecera. A antecipação do que implicará a subida do nível dos oceanos por efeito do aquecimento global ficou mais do que demonstrado na capital indonésia, que o respetivo governo pondera transferir para a ilha de Bornéu. Não consta que esse plano, perfeitamente sensato, tenha colhido contestação semelhante à que o nosso ministro do Ambiente conheceu quando sugeriu a deslocação de aldeias localizadas em potenciais leitos de cheia para zonas de maior cota de altitude onde possam ser poupadas aos efeitos conhecidos há cerca de duas semanas. De facto são os cientistas a calcularem em centenas de milhões os habitantes obrigados a deslocarem-se até 2025 para se livrarem das cada vez mais impressionantes inundações nas zonas ribeirinhas.
Surpreendente tem sido, igualmente, a vaga de frio, que está a assolar a Índia como nunca se verificara nos registos efetuados nos últimos 119 anos. Ao mesmo tempo que, na Rússia, registos colhidos em intervalo de tempo semelhante, mostram nunca ter havido um ano tão quente como o de 2019.
Noutras geografias os recordes de canícula vão sendo sucessivamente batidos como aconteceu em julho no deserto da Líbia onde os termómetros chegaram aos 58ºC  ou nas planícies iranianas de Lut onde passaram muito para além dos 60ºC, implicando o avanço progressivo da aridez nesses territórios.
A falta de água doce constitui um dos mais desafiantes problemas deste século tendo em conta que só 3,5% dos 70% de água, que constitui o planeta, é efetivamente potável.
Para a situação mais tender para a irreversível distopia avulta o aumento demográfico, que se tornou explosivo em muitas regiões do mundo, particularmente no Médio Oriente, onde a população síria quadruplicou nos últimos sessenta anos e a iraniana triplicou em meio século. Grotesco é, por isso mesmo, o projeto faraónico em curso nos Emiratos Árabes Unidos com a construção de ilhas em forma de plameiras e onde se implantam centros comerciais, hotéis de luxo e, até mesmo, uma Trump Tower. O efeito devastador sobre os recifes coralíferos do Golfo Pérsico já estão mais do que reportados. Mas a sexta grande extinção de espécies animais não conhece fronteiras: de Moçambique chega a notícia de ter havido a redução para um terço dos 12 mil paquidermes existentes em 2009 na reserva do Niassa, porque não há quem trave a nefasta atividade dos caçadores furtivos.
Perante todos estes cenários até mesmo um otimista irritante como me assumo, tem dificuldade em manter essa bonomia perante um futuro, que será, sobretudo, aquele em que as minhas netas tentarão ser felizes. Ou se mudam urgentemente de políticas a nível internacional ou será pedido aos vindouros uma capacidade de resiliência muito para além do que poderíamos imaginar.

Sem comentários:

Enviar um comentário