sábado, 4 de janeiro de 2020

Detesto cobardolas!



É verdade: detesto os cobardolas!  Ao longo de toda a minha vida profissional sempre execrei os que faziam algo de errado e cuidavam de para outros, normalmente indefesos subordinados, transferirem as culpas só a eles atribuíveis. Ou, noutra versão não menos odiosa, aqueles que se apressavam a mostrarem-se corajosos poltrões quando a prosápia verbal lhes parecia render juros e mais aceleradamente davam o dito pelo não dito, pondo-se a milhas dos que persistiriam na justeza das posições independentemente das consequências envolvidas.
Conheci quem se ajustasse a ambas as fórmulas de cobardia e lembro-os como dos mais desprezíveis trastes que tive a desdita de aturar.
Sobre Trump não há nada a acrescentar quanto à índole, tão consensual é a reprovação da sua conduta. Mas convenhamos que a vileza do seu comportamento, a cobardia do seu ato, ultrapassa tudo quanto até agora vinha fazendo. Porque arrisca a possibilidade de uma guerra de imprevisíveis consequências e por nem sequer validar a decisão de um ato de guerra pela Câmara dos Representantes. Se já sobravam muitos motivos para a impugnação esse ostensivo desprezo por quem deve autorizar-lhe tais decisões, será só mais um a acrescentar á lista.
Mas é, sobretudo, repugnante, essa decisão de dar ordem para que alguém carregasse num botão e direcionasse um drone armado com um míssil contra o carro do general iraniano. Se há cena cinematográfica, que este caso lembra é a de Indiana Jones enfrentar a arma branca brandida por um ameaçador árabe e pegando na pistola para o matar com um tiro.  Na altura a plateia ria-se com a caricatura inerente à desproporção de meios entre o assassino e o assassinado, mas poucos a terão associado a uma corrosiva metáfora sobre a natureza do imperialismo.
Não é que Qassem Soleimani fosse um menino de coro: bastava ser o responsável de uma ditadura teocrática para o ajuizarmos como alguém que o povo iraniano deveria afastar do poder e responsabilizá-lo pela repressão de que tem sido alvo. Mas do que dele se conhecia há que admirar uma qualidade em Trump inimaginável: a coragem com que costumava ir para a frente dos combates, que comandava, e o hábito de nunca usar coletes antibala.
Ninguém pode imaginar o que advirá deste crime, que os iranianos prometem vingar, embora se suponha possível algo entre o pior e o menos mau. Avançamos ano adentro com céus mais carregados de cinzento a toldarem-nos o céu limpo por que ansiávamos. Mas convirá que relativizemos o momento sabendo que, mesmo os mais ameaçadores ditadores, acabam por colher da História um juízo pouco lisonjeiro, se é que, antes disso, não são eles próprios a sentirem os efeitos do tapete subitamente puxado debaixo dos respetivos pés...

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