segunda-feira, 22 de julho de 2019

A xenofobia como subproduto do esclavagismo


Embora o antissemitismo tenha conhecido dimensão particularmente assassina, quando a cristandade se arvorou de um fanatismo inquisitorial adotado pelos islamitas muitos anos depois, pode-se considerar que a distinção entre os brancos e os negros ficou definida a partir do momento em que as plantações de cana-de-açúcar das Antilhas se encheram de escravos trazidos da África subsariana a partir do início do século XVIII.
Embora as roças do Brasil já estivessem pejadas de gente trazida à força dessa mesma proveniência, o tráfico ainda não ganhara a escala de uma fileira comercial, que alavancaria o desenvolvimento do sistema capitalista e contribuiria para tornar obsoletas as derradeiras manifestações do feudalismo. A transformação da exploração cruel do trabalho dos cativos num negócio, que faria enriquecer banqueiros e companhias seguradoras de navios negreiros, também transformaria a ordem social, ainda empírica, numa outra bem estruturada. O racismo como vertente específica da xenofobia dos brancos teve aí um momento fundador.
Depressa, porém, a sociedade branca passou a intimidar-se com as sucessivas revoltas dos escravos, a mais bem sucedida das quais aconteceu em São Domingo, liderada de início por  Toussaint Louverture, depois por Dessalines, sob inspiração da Revolução Francesa. Aumentou a brutalidade sobre os cativos, procurando intimidá-los pelo medo. No século XIX a acumulação de capital na Europa nunca fora tão rápida por conta da exploração dos chamados «territórios ultramarinos».
Paradoxalmente a abolição da escravatura marcou o arranque em força da expansão colonial em África. Privados das mais valias até então auferidas pela diferença ente os custos de produção das mercadorias e recursos mineiros trazidos das Américas e os preços por que eram vendidos nos mercados europeus, as várias nações imperialistas viraram-se para os territórios africanos em que haviam estabelecido entrepostos e feitorias, tornando-os bases de apoio para reivindicarem os vastos territórios do interior do continente, convencidos - com razão! - de aí se encontrarem prodigiosas riquezas naturais capazes de compensarem a perda dos anteriores fluxos de transferência de capitais.
A escravatura prosseguiria nos Estados Unidos, apesar da vitória nortista sobre os confederados, porque as leis segregacionistas decretadas até aos anos sessenta, cuidaram de manter uma desproporcionada distribuição das riquezas. E, hoje em dia, multiplicam-se os exemplos de manter-se a exploração do trabalho escravo como o comprovam as imagens recolhidas na Líbia sobre leilões de infelizes apostados em saírem dos seus países para demandarem paraísos europeus e sujeitos a violências semelhantes às dos seus antepassados que, acorrentados, morreram aos milhares, para satisfazerem a ganância criminosa das cortes europeias.

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