quinta-feira, 17 de março de 2022

Visões da guerra em muitos matizes cinzentos

 

Enquanto alguns fogosos leitores do «Público» enviam cartas ao seu diretor para erradicar da última página as crónicas de Carmo Afonso só por não se ajustarem ao pensamento dominante dos que veem a guerra a preto e branco, o mesmo jornal traz na edição de hoje alguns textos elucidativos quanto à estultícia de manter o maniqueísmo de um João Miguel Tavares que prossegue as laudas ao heroísmo ucraniano sem que ninguém lhe aponte a óbvia parcialidade da perspetiva. Paulo Pena, Laure Brillaud, Ana Curic, Leila Minano e Maria Maggiore denunciam, por exemplo, o cinismo de alemães, franceses e italianos, agora muito ativos a sancionarem a Rússia, mas tendo-lhes vendido abundante armamento - mísseis, aviões, foguetes, torpedos e bombas - desde 2014 apesar da proibição para que tal ocorresse a pretexto da invasão da Crimeia. Curiosamente nesse armamento hoje utilizado em Kiev, Mariopol e outras cidades, também haverá muito que a Rússia comprou nesse período à própria Ucrânia, que tinha no vizinho um dos principais clientes da sua indústria de armamento.

Interessante, igualmente, o artigo de Anastassia Fedyk, Yuriy Gorodnichenko, Tania Babina, Tetyana Balyuk e James Hodson  - todos professores em universidades norte-americanas - que condenam a fantasia persistente de acreditar na possibilidade de Putin ser em breve assassinado, ou pelo menos derrubado, por quem o substitua à frente do Kremlin.  O que fundamenta como segundo melhor resultado para o ocidente, que a Ucrânia fique totalmente devastada. Pensando no interesse dos ucranianos, os autores do texto consideram que o mínimo que podemos fazer por eles é parar de nos agarrarmos à fantasia de que o problema de Putin” se vai resolver tão facilmente como o jogo de uma criança de três anos. Temos de começar a pensar de modo sério e criativo sobre os segundos melhores resultados, quais são aceitáveis para nós — e a que custo humanitário.”

Uma outra consequência decorre do conflito atual: corroborando uma lógica geoestratégica em como o centro do mundo vai deslocar-se para o Pacífico ao longo das próximas décadas, uma professora da Universidade do Minho, Sandra Fernandes, constata que Vladimir Putin deixou de se preocupar com a construção de um mundo e de uma Europa na qual a Rússia participava.” 

Sem comentários:

Enviar um comentário