As televisões continuam a noticiar a guerra na Ucrânia tomando partido pelos agredidos, mas violando continuamente a obrigação de uma objetividade, que tem sido uma das suas vítimas colaterais. Por exemplo, ontem na SIC, Rodrigo Guedes de Carvalho chamava a atenção para quanto ambígua podia ser a informação por ele prestada a partir de fontes russas, sem tomar o mesmo cuidado quando dava as de origem ucraniana. E, no entanto, de um e de outro lado, existe uma lógica de propaganda, que aconselha a tomar cuidado com a respetiva veracidade. No caso em concreto é tão ridículo acreditar nos nove mil russos mortos pelos ucranianos, quanto os apenas quinhentos anunciados pelo Kremlin.
Não deixa de ser igualmente curiosa a ideia do ocidente estar em força ao lado dos ucranianos, mas deixar de fora da suspensão do sistema SWIFT, quer o Sberbank, quer o Gazprombank, pelos quais continuará a pagar o petróleo e o gás natural, cuja compra não pode por ora dispensar deste lado da Europa. Vai-se a ver e os bancos abrangidos pela tão propalada suspensão só equivalem a 25% do sistema financeiro russo.
Poucas notícias aparecem, igualmente, sobre o comportamento racista e até neonazi de muitos ucranianos que, a exemplo dos que por aqui defendem o Ventura, também contam com admiradores de Stepan Bandera, o cúmplice da agressão hitleriana durante a Segunda Guerra Mundial, e relacionados com os crimes contra russos referidos por Putin como argumento para iniciar a invasão. Que o digam os portugueses Domingos Ngulonda e o Mário Biaguë, dois estudantes de medicina, que pretendiam voltar para casa e, na fronteira com a Polónia, foram destratados por soldados, que deram prioridade a todos quantos fossem brancos, enviando para o fim da fila todos os que tivessem tez negra, indiana ou árabe. A viagem dos dois estudantes desde Ternopil, onde frequentavam o curso há cinco anos, foi uma odisseia, que incluiu o ludibrio pelo taxista que recebeu 90 euros para os conduzir à fronteira e os deixou a mais de seis quilómetros de distância.
Lamentável, igualmente, a atitude de muitos responsáveis dos espetáculos de ópera e música erudita no ocidente, que não só despediram da liderança da Filarmónica de Munique um dos mais admiráveis maestros atuais - Valery Guerguiev -, como cancelaram concertos com a soprano Anna Netrebko, por isso mesmo forçada a fazer uma pausa na sua carreira. E, no entanto, muito provavelmente, esses decisores ainda são capazes de carpirem tardias lágrimas pela segregação a que Wilhelm Fürtwängler e Elizabeth Schwarzkopf foram sujeitos no final da Segunda Guerra Mundial.
Sensato, o realizador ucraniano Sergei Loznitsa apela a que esse tipo de ostracismo não se verifique por quanto constitui um atentado manifesto à Cultura.
Mas a forma como as televisões apresentam o conflito está a apelar ao que de pior têm alguns dos que nelas acreditam e iniciaram uma campanha de bullying contra quem suspeitam ter a nacionalidade russa e vivem entre nós. Anna Pogrebtsova, aqui radicada há quase duas décadas, viveu a experiência na primeira pessoa: “Eu própria já recebi uma destas chamadas à noite e até foi de um número identificado, a pessoa nem se tentou esconder”, relatou a um jornalista do «Público» dando conta de existirem exemplos semelhantes com outros seus compatriotas.
É por isso que aqui reitero a necessidade de olharmos com alguma racionalidade para o que se está a passar na Ucrânia. Porque exaltar emoções ao rubro não é nada que se deva aconselhar nesta altura. Porque não falta quem aproveite para fazer a catarse de preconceitos e frustrações pessoais, que então ganham dimensão ignóbil nas redes sociais.
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