terça-feira, 8 de março de 2022

Quando a real politik se sobrepõe ao wishful thinking

 

Neste Dia Internacional da Mulher, com a pandemia a ter atrasado em trinta anos o progresso nos seus direitos, uma das imagens passíveis de ilustrar os amargos de boca femininos pode ser o das mães e esposas ucranianas a chorarem os seus mortos nas igrejas das cidades  por onde o fotógrafo do «Público» Adriano Miranda tem passado, E onde vê miúdos, ainda sem barba, a serem enviados para as batalhas sem adivinharem a sua condição de carne para canhão, justificando-lhe o comentário: “Alguns deixaram a puberdade há pouco. Não sei quem será. Quantos serão. Mas as suas fotografias irão forrar mais uns metros de parede. E mulheres virão. Chorar com flores nos braços.”

No terreno a estratégia militar russa não se afasta um milímetro da que, num passado recente, reduziu Grozni e Alepo a amontoados de destroços e causou milhares de vítimas. Que prometem vir a ser muitas mais se se cumprirem os receios do professor Arlindo Oliveira do Instituto Superior Técnico: “os acontecimentos dos últimos anos e dos últimos dias têm fragilizado o pressuposto de que o poder político nas grandes potências está entregue a agentes racionais com interesses alinhados com os da população. Temos, assim, genuínas razões para nos preocuparmos com o facto de que uma sequência acidental de eventos possa levar a ações irracionais e a uma catástrofe sem precedentes.”

Por agora, e fundamentados na leitura do jornal da Sonae, temos um conhecido autor israelita de livros de História para Tótós a prognosticar a derrota a prazo de Putin em nome de um almejado Plano Manhattan Verde cuja exequibilidade imediata seria facilmente posta em causa pelos interesses das multinacionais ligadas ao petróleo. Ou a sensação de derrota anunciada do diretor do mesmo «Público», que se fica pela mesma lógica do wishful thinking: A prazo, as democracias hão-de fazer valer as suas razões e o imperialismo agressivo de Moscovo será derrotado. Mesmo quando esse dia chegar, o que agora acontece em Mariupol ou em Kharkhiv não deixará de perturbar a consciência dos europeus.”

Por ora, mais inteligentes que o palhaço Bojo, que embandeirou em arco com a proposta norte-americana de estender as sanções à Rússia às importações de petróleo e de gás natural, o primeiro-ministro neerlandês e o chanceler alemão já desmentiram essa hipótese: tudo ficaria bastante pior para os europeus se essas torneiras se fechassem, mesmo sabendo-as a financiar o esforço de guerra de Putin. A real politik vai fazendo o seu caminho e o contínuo adiamento de negociações a sério sobre um novo equilíbrio na segurança europeia só vai piorando a desdita dos que são meros peões num confronto geopolítico, que a ela se mantém indiferente.

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