quinta-feira, 31 de março de 2022

Neovichyssoise e quem isola quem

 

1. Não duvido que os pesadelos de Marcelo Rebelo de Sousa devam ter algo a ver com a irrelevância a que se vê fadado e o tornarão praticamente anónimo a quem, daqui a umas décadas, visitar o Museu da Presidência da República interrogando-se sobre a identidade daqueles dois sujeitos, que ocuparam o cargo entre 2006 e 2026 depois de duas personalidades da estirpe de Mário Soares e Jorge Sampaio. Esses visitantes questionar-se-ão porque terão Cavaco e Marcelo, conjunturalmente, passeado as respetivas vaidades nos jardins do Palácio de Belém. Se os povos espelham-se, de alguma forma, nos seus dirigentes, os portugueses revelaram-se distantes do seu melhor, quando votaram em ambos para mais altos magistrados da Nação.

Vem isto a propósito dos cinco minutos com que Marcelo quis marcar a agenda do dia de ontem proibindo António Costa de sair a meio mandato para preencher uma fútil sinecura em Bruxelas. Alguém lhe ouvira a expressão desse desejo? Não se tratou de mais uma vichyssoise à Marcelo para que dele falassem em vez da «modernização com solidariedade social» prometida pelo empossado primeiro-ministro?

Os «palpites» de Marcelo valem o que valem - ou seja nada! - enquanto as palavras de Costa contém tudo o que nos importa: a aposta na dinâmica transformadora do país. E, se aos jornalistas faltava um mexerico para se entreterem, mais interessante terá sido a ausência do PCP da cerimónia de tomada de posse do governo, único partido a cometer essa deselegância, demonstrativa de como anda difícil de nele se digerir uma estratégia falhada que, por culpa dos próprios, o remeteu para as bandas da prescindibilidade.

2. Depois de dispensados os militares, que vieram para os telejornais dizerem da guerra na Ucrânia aquilo que os seus diretores de informação não queriam ouvir - e por isso se bastaram doravante aos parcialíssimos pareceres de Milhazes & Cª -, são dois antigos ministros quem vêm para os jornais dizerem o óbvio: Luis Amado considera que a “Ucrânia está como está porque vendemos sonhos com displicência”, quando “o Ocidente foi arrogante em relação à Rússia” e “é do interesse americano vender as armas que está a vender, equilibrando a balança comercial”.

Por seu lado, para J. A. Azeredo Lopes existe um “erro da análise (...) consequência de uma hiperbolização, que vive obcecada com uma referência simples ao bem, e uma referência simples ao mal. Vladimir Putin é o mal absoluto, Zelenskii um herói. E pronto, para além disto é provocação.

Para os apologistas deste mundo de A e B, trata-se de muito mais do que de uma luta empenhada, convicta e determinada pela independência política e a integridade territorial da Ucrânia, do insuportável que é qualquer ato de agressão armada. Isto, que já seria muito, e pouco habitual, não chega. É uma cruzada, que só parará quando estivermos outra vez dentro das muralhas de Jerusalém e virmos ao longe a Sodoma e Gomorra moscovita. A arder. Menos do que isso é pouco.”

E, no entanto, o encontro de Lavrov com os homólogos chineses e indianos, revela uma desfocagem do Ocidente em relação à Rússia, que julga isolar, quando os factos permitem concluir ser ele a ficar à margem do resto do mundo. 

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