sexta-feira, 11 de março de 2022

Agarra que é maniqueísta!

 

A Cimeira de Versalhes talvez tenha representado o início da tomada de consciência dos líderes europeus quanto ao futuro para que se devam preparar depois de darem mostras de imperdoável negligência nas três décadas passadas desde a implosão da União Soviética, quando sossegaram-se sob o guarda-chuva norte-americano numa NATO, seguindo em exclusivo a agenda estratégica do Pentágono, bem diferente da que melhor interessava aos seus concidadãos.

Nem sequer o desinteresse de Barack Obama pelo Velho Continente, apostando boa parte da sua estratégia na Ásia perante uma China em ascensão, levou os políticos europeus a dissociarem-se da lógica da Guerra Fria e a agirem a contrario da estabilidade e da segurança de todo o continente. Só quando Trump andou de mão dada com Putin é que viram o quanto poderiam estar desarmados perante as tempestades semeadas pela expansão sem limites da NATO e da União Europeia.

Agora, apesar das opiniões públicas, exigirem o impensável por força da tragédia a leste, os dirigentes europeus dão mostras de uma lucidez digna de nota, levando-os a nem sequer quererem conjeturar a integração da Ucrânia na UE nos próximos anos. Não só porque sabem essa sociedade muito pior classificada do que a Moldova ou a Geórgia no índice de corrupção segundo a insuspeita Transparência Internacional - está em 122º lugar na classificação relativa a 2021, que integra 180 países - mas porque são bem conhecidos os laços de dependência de Zelenski para com Ihor Kolomorski numa sujeição, que nada tem a ver com a de Putin para com os seus próprios oligarcas a quem comanda em vez de por eles ser comandado.

Bem pode Zelenski falar dia sim, dia sim, de uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia, que nem o secretário-geral da NATO dispõe-se a dar-lhe essa satisfação, que significaria o início da Terceira Guerra Mundial com recurso a armamento nuclear. Por isso os próximos dias serão de inevitável aumento da força letal da Rússia a partir do ar e da sua artilharia, aumentando a pressão para que o governo de Kiev capitule. Valendo amargas e abundantes lágrimas de crocodilo a Manuel Carvalho que, no «Público», desconsiderou de forma intelectualmente desonesta o professor Boaventura Sousa Santos por assinar artigo de inatacável lucidez na edição de ontem. Maniqueísta foi o mimo mais soft, que lhe mereceu em violenta diatribe. Quando, na verdade, serviu de exemplo lapidar da metáfora do ladrão que desvia as atenções gritando para que agarrem outro que vai ali mesmo a fugir à sua frente.

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