1. Dezassete mil quatrocentos e noventa e nove dias. Tantos quantos decorreram entre o dia 25 de abril de 1974 e o de hoje. Tantos quantos os portugueses viveram em ditadura entre 1926 e o dia inteiro e limpo, que Sophia tão magnificamente celebrou.
O significado a daqui extrair é óbvio: a superação democrática da ditadura vai muito para além de uma questão de matemática. Tem ideias e valores, leis e códigos morais. E com todas as suas imperfeições - decorrentes de quanto ainda tende a ser ultraliberal na economia - a Democracia prevalecerá sobre as diversas formas de ditadura, mesmo as tidas por mais democráticas...
2. De leis pois. E não tem faltado quantos nos telejornais apontam ao governo a responsabilidade pelos elevados preços dos combustíveis em função dos impostos deles sacados. E temos de aguentar com a ignorância de não caber a quem governa essa responsabilidade, senão a de acatar aquilo que, por um lado, definem as autoridades europeias - por estes dias mais afinadas no sentido de permitirem essa revisão - e, depois a Assembleia da República por caber aos deputados as exclusivas competências fiscais.
3. Ou da falta de leis, pois então. E de excessivo liberalismo na imperfeita Democracia. É o que se depreende da escandalosa especulação imposta nestes dias pelos fundos de investimentos, que negoceiam com commodities agrícolas, aumentando significativamente os seus custos. A crise mundial com alimentos, que tanta fome acrescida custará a povos raramente alvo das preocupações dos telejornais, anda a ser potenciada por quem usa e abusa das liberais regras capitalistas.
4. De ditadura claro. Sem surpresas Putin vai impondo uma guerra de desgaste feita de destruição intensiva como Grozni e Alepo já tinham testemunhado. Em Mariupol a morgue já não aceita mais mortos vindos das primeiras linhas ucranianas. Embora não haja lugar alternativo onde os deixar. O batalhão Azov, que escolheu a cidade como seu quartel-general, prevê não arredar pé, mas talvez não lhe reste alternativa, porque tinham sido os seus elementos os sinalizados por Putin como responsáveis pelas mortes de Odessa, que serviram de pretexto para a suposta desnazificação da Ucrânia.
5. De ideias e valores (execráveis, inda assim!). São muitos os que se preocupam com os cerca de 50 mil estrangeiros de 52 diferentes nacionalidades, alinhados com os ucranianos na guerra contra os russos. Muitos deles pertencentes a grupos de extrema-direita como o português Mário Machado. Não tanto porque os preocupe as vidas ucranianas, mas pela oportunidade de ouro para atualizarem os contactos entre si, exercitarem estratégias de combate e receberem armas depois utilizáveis onde mais lhes interessam.
6. De ideias e valores (encomiasticamente aplaudidos por agora). Os de Volodomir Zelenskii, enaltecido como herói ocidental, embora as circunstâncias o deem antes como protagonista acidental. Porque o passado de humorista não lhe permitira demonstrar outras competências, que não as de excelente comunicador, que vem comprovando por estes dias. E que levam muitos dos mais acérrimos defensores de um certo tipo de Democracia - a tal dos mercados tão livres, tão livres, que possibilitam indecorosos enriquecimentos especulativos - a não lembrarem-se de como fora dos primeiros no seguidismo a Trump na intenção de mudar a embaixada ucraniana para Jerusalém ou de como, antes da guerra começar, já estava a proibir partidos políticos, onze no total ainda esta semana. O que mostra que o apoio de que usufrui não é tão unânime, que inclua toda a sociedade ucraniana, permitindo-se na prática imitar Putin na exclusão de todos quantos com ele não pactuam. Sem suscitar estados de alma em quem olha para as vítimas inocentes da guerra e as não vê como meros peões de uma guerra em que o seu líder também quer ser Rei. Mas como escreve Carmo Afonso na sua crónica de hoje, “introduzir contingências da realidade ucraniana é tão difícil como dizer a alguém, que está apaixonado, que a pessoa visada por essa paixão tem falhas.”
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