domingo, 31 de janeiro de 2021

Que o filho pródigo volte ao sítio onde mais faz falta

 

Lamentei que Pedro Nuno Santos apoiasse Ana Gomes para a eleição presidencial depois de, algumas semanas antes, ter afiançado votar num dos candidatos à esquerda do PS. Que o seu leque de «candidatos à esquerda» tenha contemplado uma personalidade que nunca deu nada ao Partido Socialista e sempre dele colheu a indigitação para cargos tão bem remunerados como os do Parlamento Europeu pagando-se, desde então, com múltiplos ataques e  criticas soezes  ao governo de que o próprio Pedro Nuno Santos faz parte não lembraria a ninguém. Eu que já andava a considera-lo meu provável secretário-geral num futuro próximo tive de reconhecer haver alguma maturidade a absorver antes de se abalançar a tal desafio.

É verdade que, provavelmente, se Ana Gomes não se apresentasse à eleição, a ignóbil criatura ficaria em segundo lugar. Mas faria assim tão grande diferença quanto ao facto de ter ficado em terceiro? Influenciaria tal facto o inevitável apagamento, que conhecerá nos próximos meses e anos, quando só tiver como tribuna a solitária cadeira parlamentar onde se senta? Será que os apoiantes tão ávidos em sinecuras propiciadas pelo acesso ao poder continuarão pacientemente à espera de um são nunca mais, que se anuncia tão distante? O seu cabeças-de-cartaz do Porto, o tal Lourenço, braço direito do trânsfuga Paço à justiça portuguesa agora acoitado nos EUA, já deu às de vila diogo, porque afinal a má publicidade para o seu patrão já vai tendo algumas danosas consequências. Por cá e por Cabo Verde, onde até um ministro foi obrigado a demitir-se como vítima do fogo amigo.

E até podia ter acontecido outra hipótese não tão improvável quanto isso: sem Ana Gomes muitos comunistas que nela terão votado porque a ignóbil criatura prometia demitir-se se tivesse menos votos do que ela, teriam posto a cruzinha em João Ferreira, somando-se aos socialistas que nele votaram para darem consistência a uma geringonça donde o Bloco desertara e que até seriam muitos mais se Pedro Nuno Santos tivesse sido consequente com  quanto dissera e secundasse Isabel Moreira no apelo ao voto no candidato comunista então provável contemplado com esse segundo lugar. Ter-se-ia assim poupado a emparceirar com Francisco Assis e toda a tralha segurista, que viu em Ana Gomes uma  réplica de Maria de Belém cinco anos atrás.

E, no entanto, Pedro Nuno Santos tem inteira razão nos parágrafos sete e oito do artigo de opinião inserido na edição de hoje do «Público». Parte significativa dos socialistas não quer o partido ao centro tendo bem presente o exemplo europeu onde esse foi meio caminho andado para constatarmos a sua marginalização da influência política em países como a França, a Itália, a Grécia, os Países Baixos ou a Alemanha. Porque é sua função transformar Portugal num país onde se vive bem em comunidade, onde trabalhadores são respeitados e as liberdades sociais e políticas aprofundadas”.

Seria esse, igualmente, o mais direto atalho para que a extrema-direita crescesse e ameaçasse o campo democrático então sujeito a fazer-se representar por coisas híbridas como o são hoje Emmanuel Macron ou Giuseppe Conte.

Subscrevo por inteiro o derradeiro parágrafo do texto de Pedro Nuno Santos considerando que

   - a direita não se derrota torcendo para que ela dependa da extrema-direita para governar;

   - a extrema-direita não se derrota com cedências no plano dos valores ou no plano programático;

   - a extrema-direita só será derrotada quando as pessoas que estão zangadas com os políticos, em geral, deixarem de o estar;

   - as pessoas só deixarão de estar zangadas quando formos capazes de responder aos seus justos anseios; 

   - só conseguiremos responder aos anseios dos portugueses quando conseguirmos identificar os bloqueios externos e internos que não deixam muitas famílias portuguesas saírem da “cepa torta”.

Importa, enfim, que as pessoas voltem a “acreditar que a política pode contribuir para que as suas vidas melhorem”, mediante  uma federação das esquerdas à volta de um programa ambicioso e de esperança.

Depois de tão imprudente alinhamento com quem o não merecia, esperemos que Pedro Nuno Santos regresse à primeira linha do combate por esses objetivos voltando a ter consigo os socialistas que, por breve momento, não o acompanharam nas suas escolhas.

4 comentários:

  1. Concordo completamente co o exposto salientando o meu sentmento de que a Ana Orbana nunca foi candidata capaz de unir o PS nesta batalha, quanto mais a esquerda toda...prestaram todos sim um belo serviço a uma certa direita do PS...

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  2. Vê-se bem que o ódio que a generalidade dos socialistas vota a Ana Gomes, por boas e por más razões, lhes tolhe a capacidade de análise, um mal de que Pedro Nuno Santos não sofre.

    Ana Gomes esteve muito longe de ser a candidata ideal. O seu discurso foi inconsequente, acintoso mesmo para com MRS e António Costa em momentos distintos e sempre ressentido com o PS por a não ter apoiado.

    Por outro lado, trata-se de uma mulher corajosa, com provas dadas, como na causa de Timor, e não é a acusação insidiosa do Jorge Rocha de que ela precisa do PS porque quer tachos que muda isso.

    Ana Gomes não precisa do PS para rigorosamente nada.

    Mas, perante a demissão do PS relativamente a um apoio a um candidato da Esquerda, ela era a alternativa que existia. Votei nela sem entusiasmo mas sem hesitação, para evitar um segundo lugar para Ventura que teria um significado simbólico bem grave.

    E se acha que ele é um fogo fátuo, bem, o Jorge Rocha anda a dizer maravilhas de gente, como Corbyn, que não faz outra coisa senão perder eleições. A sua capacidade de previsão tem-se revelado pouco auspiciosa. Por esse mundo fora, a Esquerda pura e dura não faz outra coisa que não seja condenar-se à eterna oposição.

    Agora, o principal erro do PS foi um que não apenas Nuno Santos ou Daniel Oliveira, como também o insuspeito Porfírio Silva bem assinalaram. Ao demitir-se de tomar posição, o PS impediu a polarização entre uma candidatura de Esquerda e uma de Direita, a de MRS, abrindo espaço a que o eleitorado de Direita votasse em Ventura... Como aconteceu...

    Agora, se pensa que eu iria votar num candidato do PCP, um Partido com uma posição soberanista que é, nos seus próprios termos, uma anedota, quando nos lembrámos do apoio que dá a Cuba, Venezuela, China, Rússia (João Ferreira balbuciou quando Graça Franco lhe pediu para classificar esses regimes, incluindo a Coreia do Norte!), bem pode tirar o cavalinho da chuva. Se Gomes não se tivesse candidatado, o meu voto iria para Marisa Matias, mas seria provavelmente desperdiçado.

    Como foi o seu, aliás...

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  3. "Ana Gomes não precisa do PS para rigorosamente nada." E o PS, precisa de Ana Gomes para quê? Para rigorosamente nada. E o Pedro Nuno Santos, a sabotar assim o seu próprio governo, está a precisar é de ser remodelado.

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  4. O Lúcio Ferro sugere porventura que o PS expulse Ana Gomes?

    Quanto a Pedro Nuno Santos, limitou-se a apoiar uma das candidaturas que Costa considerou como estando dentro do campo da democracia, a de uma 'distinta militante socialista', como creio que ele a classificou, com o seu cinismo habitual.

    Para quem é da Esquerda democrática e não queria votar MRS, Gomes representava, apesar de tudo, a melhor opção, até porque era a única pessoa capaz de mandar Ventura para o terceiro lugar... Como de facto aconteceu...

    Convém que se perceba que se tenho simpatia por Ana Gomes pelo seu percurso pessoal e por ter sido porventura a primeira pessoa a não ir com a cara de Sócrates (algo que ainda irrita tremendamente muitos militantes socialistas, mau grado ser clara a falta de ética, pelo menos, do antigo SG do PS), não subscrevo de modo algum o seu discurso populista.

    Mas quem não tem cão, caça com gato. Que por vezes a democracia vale bem uma derrota clara, em vez de uma vitória opaca e conveniente, foi algo que Pedro Nuno Santos entendeu, ao contrário do florentino António Costa. E se ele o quiser remodelar que o faça, por sua conta e risco, bem entendido...

    E digo isto apesar de me sentir bem mais próximo da linha moderada e liberal do atual PM do que da linha estatista do Ministro das Infraestruturas.

    Curiosamente, ninguém pareceu notar do seu artigo no Público que ele traça a linha de separação entre Direita e Esquerda no papel do Estado, uma definição bem pobre, e que colocaria todo o liberalismo, com a sua tradição de luta pela liberdade e autonomia do indivíduo, no campo da Direita...

    Até é pouco inteligente porque sem os liberais a Esquerda nunca mais ganhará uma eleição que seja.

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