segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

As tempestades colhidas por quem semeou exagerados ventos

 


Continuo a ler teses simplistas sobre o trumpismo e embora todas elas tenham o seu quê de verdadeiras  tendem a escamotear aquilo que é a natureza principal do advento e abrupta queda do inquilino da Casa Branca, que está a tratar da mudança para a acalmia tropical de Mar-o-Lago. A família mais próxima já para lá se mudou porque muitas das vozes responsáveis pela cidade de Nova Iorque declararam-na composta de personas non gratas e expressaram o desejo de as verem a milhas.

É verdade que Trump é um manifesto caso patológico para o qual a psiquiatria já não estará em condições de mitigar os sintomas. James Comey, antigo diretor do FBI, que tanto o ajudou a ganhar as eleições dando importância ao caso dos emails de Hillary Clinton e depois se viu escorraçado à primeira oportunidade, disse-o à Sky News: “Nunca conheci um adulto com tanta necessidade de reafirmação como Donald Trump. Só o vi em crianças de dois ou três anos. (…) É um demagogo populista capaz de dizer qualquer coisa a qualquer momento para ganhar o apoio do povo”.

A teimosia de Trump em reconhecer a derrota teve, porém, outra causa: ele não poderia, de modo algum perder as eleições, pois isso significaria a provável falência do seu império financeiro. Por agora os ativos superam grandemente as dívidas, mas existe um sério problema de cash flow, que ele não tem como resolvê-lo. O Deustche Bank, que sempre o financiou, mesmo quando estava ele próprio em dificuldades, já veio anunciar que a torneira fechou-se-lhe de vez.

A benignidade do clima da Florida pouco valerá a Trump, quando embater a sério com a realidade, que está a assumir a dimensão de violenta tempestade. Semeando ventos calha-lhe agora colher os seus mais gravosos efeitos: credores a reclamarem o que lhes deve, hotéis às moscas, campos de golfe a darem prejuízo.

Noutra das suas teimosias, a da minimização dos efeitos da pandemia, havia a lógica de quem ia recebendo alertas sobre os efeitos da quebra de receitas nos seus próprios hotéis. A que se soma a desilusão, agora colhida, de ver um dos principais torneios de golfe norte-americanos - previsto para um dos seus campos - definitivamente anulado.

A sensação de se estar a transformar num pária vai-se acentuando: apesar de dele se ter distanciado, a Fox News não viu declinarem as audiências e os mais fiéis dos congressistas, que seguiram a sua indicação para contestarem a legitimidade da eleição de Joe Biden, já viram as grandes empresas, que lhes financiavam as campanhas a retirarem esses apoios sem embaraços. Muitos deles estarão a fazer contas à vida e a ponderarem como se livrarem de uma conotação, que também os transforma em peçonha.

Se os democratas apostam no segundo impeachement é por saberem os custos judiciários, que envolverão para o réu. E que só lhe agravam os problemas suscitados por já não contar com a capacidade de potenciar os negócios enquanto estava na mó de cima. Não se estranha, pois, que ele planeie organizar comícios com entradas pagas, para contornar o boicote das redes sociais. Mas, depois de verem muitos dos seus apoiantes perderem os empregos por terem invadido o Capitólio ou ficarem, eles próprios sujeitos a graves problemas com a justiça, quem ainda arriscará associar-se a quem se sabe em definitiva queda? O exemplo do «cigano» de Bragança, que se apressou a distanciar-se do lamentável papel que lhe fora atribuído pelos próximos da ignóbil criatura num comício deste fim-de-semana, é elucidativo quanto à duração deste tipo de fidelidades.

Com a sua estratégia os democratas apenas atiram mais uma pazada de terra para cima de um caixão, que se afunda no seu acantonado espaço de sete palmos de terra.

Resta agora o mais difícil, aquilo que Biden terá pouco saber e vontade para resolver: a profunda crise económica e social, que consubstancia uma luta de classes, que criou as condições de afirmação para o mais perverso dos populismos. O sonho americano esvaiu-se num marasmo em que as classes médias se afundaram e não veem como regressar à superfície. A frustração fundamenta a adesão às mais absurdas das soluções e não há quem as escute e lhes dê expectativas de um projeto capaz de lhes devolverem a esperança... 

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