domingo, 10 de janeiro de 2021

O que é a China para além das questões geopolíticas?

 


A China é um gigantesco território, muito diferente de região para região, e desigual na forma como se tem desenvolvido. Essas diferenças percebem-se entre as cidades e o campo, o leste e o ocidente. Por isso no gigantismo de ser o terceiro maior país do mundo, a China consegue ser forte mas, ao mesmo tempo, ter notórias fragilidades. É isso que sintetizaremos neste texto.

Tendo por capital Pequim, a China é a 2ª maior potência mundial se contarmos com o seu PIB e já está ex-aequo em 1º na sua paridade com o poder de compra. Lidera, igualmente, na dimensão da sua população, agora constituída por 1,4 mil milhões de habitantes, que se distribuem pelos seus 9,6 milhões de Km2. Esse território está distribuído por 22 províncias, acrescidas de quatro grandes municipalidades, cinco regiões autónomas com minorias importantes, duas regiões administrativas especiais (Hong Kong e Macau), para além de uma vasta fachada marítima para o mar da China Oriental e Meridional , bem como para o Pacífico.

Tem fronteiras com catorze outros Estados: Vietname, Laos, Birmânia, Nepal. Butão, Índia, Paquistão, Afeganistão, Tadjiquistão, Quirguistão, Cazaquistão, Mongólia, Rússia e Coreia do Norte.

Ao norte fica uma zona mais fria. Na que é mais central vigora a estepe, enquanto a sudoeste tem os contrafortes dos Himalaias. A sudeste está junto aos países subtropicais da Indochina. Mas a divisão pode ser feita numa diagonal entre o seu sudoeste e o nordeste, com uma vasta zona árida na primeira com planaltos e desertos enquanto a leste dessa linha divisória ficam colinas e planícies férteis graças aos dois rios, que tanta importância tiveram na sua História: o Iansequião (Yangzi Jiang), que tem as nascentes no Tibete, passa pela famosa cidade de Wuhan (onde surgiu a atual pandemia com o covid 19) e desagua em Xangai, enquanto a norte corre o longo rio Amarelo (Huang He), que desagua em Tianjin, ao sul de Pequim.

Há ainda a considerar outro pulmão hidrográfico: o do imenso delta do rio das Pérolas, que banha as cidades de Cantão (Guangzhou), Macau e Hong Kong.

A diagonal acima referida, também divide as populações: enquanto só 6% se concentra na metade a ocidente dessa linha, os restantes 94% estão na situada a leste. Todas as cidades com mais de cinco milhões de habitantes estão nesse lado oriental.

A China também é maioritariamente Han: essa etnia comporta 90% da população do país. São maioritários em todas as regiões exceto no Tibete e no Xinjiang. As cinquenta minorias, que integram 120 milhões de habitantes complementares, têm línguas e religiões muito diversas. Essa dominação de outros povos decorre da herança histórica, que surgiu pela primeira vez a leste, em 221 a.C. e se chamava Império dos Qin, liderado pelo unificador de diversos reinos: Qin Shi Huang. O seu mausoléu em Xi’an alberga o célebre exército dos soldados de terracota em dimensão natural.

Na dinastia seguinte, a dos Han, que perdurou entre 206 a.C. e 220 d. C. a China tornou-se duas vezes maior do que o Império Romano e também mais povoada. É nessa idade dourada, que o confucionismo emerge e prolifera, embora em simultaneidade com o taoísmo e o budismo. É também a época em que a Muralha da China se ergue e a Rota da Seda estabelece uma movimentada via comercial.

A China só volta a conhecer novo esplendor com a dinastia dos Qing, que se inicia em 1735 e aumenta o território do Império com as conquistas da Manchúria, da Mongólia, do Xinjiang, do Tibete e das ilhas Sacalina e Formosa.

A queda desse Império em 1911 dá inicio a um período confuso e desestabilizado, a que só o regime de Mao voltará a dar coerência e consistência. Alguns dos territórios entretanto perdidos (Xinjiang, Tibete) são recuperados pela força, mas também pela diplomacia (Hong Kong em 1997 e Macau em 1999). Do antigo Império dos Qing só não foram reintegrados no território chinês a Mongólia e as ilhas de Sacalina e Taiwan.

O poder político chinês viu-se, pois, confrontado com os desafios imensos inerentes a governar um país imenso, com tensões diluídas através do desenvolvimento económico, mas também com assinalável brutalidade, quando o regime a considera indispensável. O objetivo dos seus dirigentes é dar ao país a relevância que já teve no passado e que sentem justificada pelas suas muitas potencialidades.

Desde 1978, com as reformas impostas por Deng Xianping, a China transformou-se na fábrica do mundo, mas só o litoral oriental - aberto à globalização -, conseguiu evoluir muito rapidamente. Os deltas do Iansequião e do rio das Pérolas, bem como a grande área de influência económica de Pequim, que inclui Tianjin, viram as populações na paridade dos seus poderes de compra ultrapassarem a grande maioria das que vivem na União Europeia.

O ocidente rural também evoluiu economicamente, mas bastante menos. De qualquer forma o suficiente para a China ter erradicado a pobreza, que abrangia apenas 0,6% da população em 2019. De qualquer forma cresceram abissalmente as desigualdades de rendimentos: por exemplo um habitante de Pequim ganha em média seis vezes mais do que um que viva em Gansu.

A forma como o regime tem procurado alterar essa tendência traduz-se no lançamento de mastodônticas obras públicas das quais a Barragem das Três Gargantas é só a mais emblemática. Com ela procura-se expandir o desenvolvimento industrial e agrícola para regiões anteriormente áridas, quase desérticas, e onde a energia elétrica não chegava. Chengdu, Xi’an e Chongqing são grandes concentrações humanas, que constituem novos polos de desenvolvimento económico, a que se associarão Golmud e Lhassa numa segunda fase. O recurso ao TGV, que tende a ligar todo o território, facilita a colonização ativa do que estava mais atrasado. A exploração do lítio, do cobre e do ouro no Tibete ou do gás, do carvão e do petróleo no Xinjiang fica assim bem mais facilitada.

A preponderância da língua falada pelos han é imposta como forma de aproximar as minorias dessa evolução futura, onde as suas especificidades culturais tendem a ser apagadas. No Tibete, por exemplo, desde a revolta de 2008, que as escolas impõem a língua han como a única onde é lecionado o ensino. Ao mesmo tempo a implantação de populações da etnia maioritária tende a diminuir a percentagem da que ali predominava, algo que, igualmente, vem sendo praticado no Xinjiang desde que se tornaram notórias as resistências muçulmanas, exprimidas pontualmente em atentados terroristas. A capital dessa região autónoma, ürümqi, já é constituída em 3/4 por hans. Desde as revoltas de 2009 um em cada 20 uigures já foram enviados para campos de «reeducação».

Pequim não conta ficar por aqui. Para a comemoração do centenário da república chinesa em 2049, Xi Jiping conta já ter bastante ativas as Novas Rotas da Seda, quer por via terrestre, quer marítima, para interligar o fluxo de matérias-primas e mercadorias entre os mercados asiáticos, europeus e africanos. Outro objetivo é o de transformar a grande região onde ficam Cantão, Hong Kong e Macau na mais densamente povoada do mundo e a mais desenvolvida economicamente. 

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