Não será problema exclusivamente nosso, como o demonstram muitos casos reportados pela imprensa europeia ou norte-europeia, mas o racismo existe na sociedade portuguesa e importa reconhecê-lo, compreender-lhe as origens e fazer com que as mentalidades mudem. É essa a proposta da antropóloga Patrícia Ferraz de Matos, que sintetiza a origem desse problema no artigo “As cores do racismo português: do colonialismo à atualidade”, hoje surgido no «Público».
Que o problema vem de outros séculos e geografias, lembra-o nos exemplos de naturalistas do século XVIII - Lineu e Leclerc - quando consideravam que o branco era a “cor real e natural do homem” e os negros e as outras “raças” eram variações desta cor.
Na legislação nacional o Ato Colonial de 1930 estabeleceu as diferenças de direitos e deveres entre os nascidos na metrópole e nas colónias e entre assimilados e indígenas, fundamentada na hierarquia racial depois inserida na Constituição de 1933. Era essa a legislação, que justificava a imposição do trabalho forçado que, mesmo abolido em 1938, continuou a vingar na forma das culturas obrigatórias, dando substância ao que propunham os livros escolares ou nos filmes de propaganda do regime: que os brancos deveriam emigrar para África e colocar os negros às suas ordens. Só a guerra tornou mais rara essa escravatura disfarçada a partir de 1961 tendo em conta o sucedido nos primeiros meses do conflito no norte de Angola.
Por essa altura já o conceito de raça fora desacreditado cientificamente levando o salazarismo a uma alternativa chico-esperta: as províncias ultramarinas seriam a expressão genuína de um país multicontinental, multirracial e onde a colonização teria sido diferente, porque os portugueses, segundo o luso-tropicalista Gilberto Freyre, incorporavam as influências dos povos africanos, sendo com eles propensos a misturarem-se amigavelmente. Enquanto os ingleses e os franceses iam substituindo habilidosamente os impérios por novos países deles dependentes económica e culturalmente sob formas mais ou menos disfarçadas de neocolonialismo, Salazar teimava em enviar os jovens para as guerras na Guiné, em Angola e Moçambique, invocando a legitimidade para perpetuar a violência colonial com base racial.
Os que hoje comparecem às manifestações promovidas pelo partido da ignóbil criatura são os órfãos desse Império, que Eduardo Lourenço desmascarou como nunca tendo realmente existido dado que, ao contrário do sucedido com franceses e ingleses nunca as populações da dita metrópole alguma vez viram melhoradas as suas condições de subsistência à conta do que nelas se ia esbulhando. Retornados, militaristas frustrados por terem sido clamorosamente derrotados e os que recorrem à mitologia sobre esse Ultramar com propósitos ideológicos claramente fascistas, são os principais expoentes de um racismo, que já causou vítimas entre nós e as poderá voltar a suscitar se o combate ao racismo não for complementado por uma ação política antifascista muito determinada.
Como diz Patrícia Ferraz de Matos no seu texto esse combate afigura-se-nos de incontornável urgência.
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