sábado, 30 de janeiro de 2021

O suplício da política

 

Abordando a atual crise política italiana, o jornalista do «Público» Jorge Almeida Fernandes considera-a como resultado de um mal sintetizado na frase: “em vez de política, assistimos ao suplício da política.” E esse, acrescento ser um problema, que não diz apenas respeito aos italianos, porque a nós também afeta. Daí que epifenómenos como o sácarneirismo, o cavaquismo, o passismo ou o marcelismo tenham colhido sucesso junto de eleitores que, se ponderassem nos seus interesses fugiriam de tais cabeças-de-cartaz a sete pés. E, ainda por maior razão, grande parte dos votantes na ignóbil criatura seriam os primeiros a considera-la tão virulenta quanto o temível bicharoco, que nos vem mantendo confinados.

Logo após a Revolução de Abril criaram-se ilusões quanto à capacidade dos portugueses se informarem devidamente e tomarem, doravante, opções políticas informadas. Os livros de política vendiam-se como pãezinhos e não faltavam discussões deliciosamente inocentes sobre conceitos políticos, que todos pareciam dominar como se neles tivessem sido doutorados. Que não foi assim bem o demonstram os antigos maoístas ou mesmo só marxistas, que acabaram por aterrar no arrivismo das direitas sem qualquer pudor quanto à total inversão de valores entre o antes defendido e o depois implementado nas suas práticas.

A televisão também cuidou de embrutecer a sensatez dos espectadores dando-lhe doses fartas de indecorosos espetáculos de reality shows e de concursos, cujo objetivo passou a ser o de normalizar por patamar muito rasteiro o conhecimento das pessoas, depressa transformadas em analfabetos funcionais, porque ao conhecimento das letras e dos números não correspondeu a capacidade crítica perante as muitas ilusões com que se viram alienadas. A maior parte dos portugueses perdeu a noção de pertença a uma classe social e a perspetiva de, nos seus iguais, encontrarem a força associativa para defenderem a afirmação dos interesses comuns. E a essa imprensa, depressa tomada de assalto por grupos económicos interessados em impedir a difusão de ideias consistentes quanto à melhor forma de transformação da sociedade, somou-se a das igrejas - a católica até certa altura maioritária, mas agora malignamente complementada pelas seitas protestantes! - que tendem a fazer crer aos seus ineptos seguidores, que as coisas continuarão a ser como são e só eventualmente no além pós-mortem poderão ver-se prendados pelo acéfalo seguidismo do que padres ou pastores as impelem a acatar. Sem esquecer o dízimo com que se vão vendo esbulhadas dos parcos haveres.

Se a maioria dos portugueses tivesse a verdadeira noção dos seus interesses não exigiriam menos do que a concretização do rumo definido na nossa Constituição logo após a Revolução: o encaminhamento do país para o Socialismo. Só que enganaram-nos com falácias do tipo social-democracia (versão PSD) ou liberalismo puro e duro (ao atual estilo Iniciativa Liberal) e, já não bastando tais bolos para tão ingénuos tolos dão-lhes agora em doses reforçadas o ódio aos ciganos, aos negros, aos homossexuais e a todos mais que possam servir de bêtes noires, que os privem de verdadeiramente se consciencializarem de quem são: explorados num tipo de sociedade em que as mais-valias lhes são sonegadas com requintes de precariedade no emprego. 

1 comentário:

  1. O Jorge Rocha persiste em não querer ver aquilo que é óbvio. O PS nunca quis uma sociedade socialista, aliás a própria CRP de 1976 foi o que foi, porque se tratou de um compromisso entre civis e militares com tendências estatistas. O PS esteve seguramente do lado daqueles que aceitaram esse compromisso para salvar o multi-partidarismo.

    Desde Guterres, provavelmente desde que Mário Soares ganhou as eleições em 1983, que o PS nem sequer segue uma via tradicional social-democrata. Pudera, depois do colapso do Governo Mauroy que se percebeu que a social-democracia não era viável. A via blairista, dita Terceira Via, mais não foi do que o constatar pelos Partidos da IS que as classes médias não iam em cantigas colectivistas e que se tinham tornado liberais. Como sem elas não se ganham eleições...

    O Socialismo aliás, como projecto, falhou à escala global, depois do colapso da URSS (na calha há muito, Gorbatchev mais não fez do que lhe dar o golpe de misericórdia) e do abandono da economia colectivista pela China.

    Hoje, os Países ditos socialistas, ou estão rendidos ao capitalismo de estado, ou afundam-se na mais profunda crise...

    Portanto, primeiro é preciso que defina o que é um projecto socialista viável, e depois podemos conversar. De outro modo, ele não é coisa nenhuma, a não ser o papão que Trumps e Bolsonaros usam para assustar o eleitorado...

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