Lamentei que Pedro Nuno Santos apoiasse Ana Gomes para a eleição presidencial depois de, algumas semanas antes, ter afiançado votar num dos candidatos à esquerda do PS. Que o seu leque de «candidatos à esquerda» tenha contemplado uma personalidade que nunca deu nada ao Partido Socialista e sempre dele colheu a indigitação para cargos tão bem remunerados como os do Parlamento Europeu pagando-se, desde então, com múltiplos ataques e criticas soezes ao governo de que o próprio Pedro Nuno Santos faz parte não lembraria a ninguém. Eu que já andava a considera-lo meu provável secretário-geral num futuro próximo tive de reconhecer haver alguma maturidade a absorver antes de se abalançar a tal desafio.
É verdade que, provavelmente, se Ana Gomes não se apresentasse à eleição, a ignóbil criatura ficaria em segundo lugar. Mas faria assim tão grande diferença quanto ao facto de ter ficado em terceiro? Influenciaria tal facto o inevitável apagamento, que conhecerá nos próximos meses e anos, quando só tiver como tribuna a solitária cadeira parlamentar onde se senta? Será que os apoiantes tão ávidos em sinecuras propiciadas pelo acesso ao poder continuarão pacientemente à espera de um são nunca mais, que se anuncia tão distante? O seu cabeças-de-cartaz do Porto, o tal Lourenço, braço direito do trânsfuga Paço à justiça portuguesa agora acoitado nos EUA, já deu às de vila diogo, porque afinal a má publicidade para o seu patrão já vai tendo algumas danosas consequências. Por cá e por Cabo Verde, onde até um ministro foi obrigado a demitir-se como vítima do fogo amigo.
E até podia ter acontecido outra hipótese não tão improvável quanto isso: sem Ana Gomes muitos comunistas que nela terão votado porque a ignóbil criatura prometia demitir-se se tivesse menos votos do que ela, teriam posto a cruzinha em João Ferreira, somando-se aos socialistas que nele votaram para darem consistência a uma geringonça donde o Bloco desertara e que até seriam muitos mais se Pedro Nuno Santos tivesse sido consequente com quanto dissera e secundasse Isabel Moreira no apelo ao voto no candidato comunista então provável contemplado com esse segundo lugar. Ter-se-ia assim poupado a emparceirar com Francisco Assis e toda a tralha segurista, que viu em Ana Gomes uma réplica de Maria de Belém cinco anos atrás.
E, no entanto, Pedro Nuno Santos tem inteira razão nos parágrafos sete e oito do artigo de opinião inserido na edição de hoje do «Público». Parte significativa dos socialistas não quer o partido ao centro tendo bem presente o exemplo europeu onde esse foi meio caminho andado para constatarmos a sua marginalização da influência política em países como a França, a Itália, a Grécia, os Países Baixos ou a Alemanha. Porque é sua função “transformar Portugal num país onde se vive bem em comunidade, onde trabalhadores são respeitados e as liberdades sociais e políticas aprofundadas”.
Seria esse, igualmente, o mais direto atalho para que a extrema-direita crescesse e ameaçasse o campo democrático então sujeito a fazer-se representar por coisas híbridas como o são hoje Emmanuel Macron ou Giuseppe Conte.
Subscrevo por inteiro o derradeiro parágrafo do texto de Pedro Nuno Santos considerando que
- a direita não se derrota torcendo para que ela dependa da extrema-direita para governar;
- a extrema-direita não se derrota com cedências no plano dos valores ou no plano programático;
- a extrema-direita só será derrotada quando as pessoas que estão zangadas com os políticos, em geral, deixarem de o estar;
- as pessoas só deixarão de estar zangadas quando formos capazes de responder aos seus justos anseios;
- só conseguiremos responder aos anseios dos portugueses quando conseguirmos identificar os bloqueios externos e internos que não deixam muitas famílias portuguesas saírem da “cepa torta”.
Importa, enfim, que as pessoas voltem a “acreditar que a política pode contribuir para que as suas vidas melhorem”, mediante uma federação das esquerdas à volta de um programa ambicioso e de esperança.
Depois de tão imprudente alinhamento com quem o não merecia, esperemos que Pedro Nuno Santos regresse à primeira linha do combate por esses objetivos voltando a ter consigo os socialistas que, por breve momento, não o acompanharam nas suas escolhas.