Numa crónica inserida na edição de hoje do «Público», Vitor Belanciano conclui que viajamos “num comboio a descarrilar, sem que uns o consigam e outros o queiram parar.“ E esse comboio é o desta sociedade contemporânea onde as desigualdades se abismam até ao previsível ponto de rutura e os desequilíbrios ambientais prometem cataclismos em forma de secas, de furacões e outras manifestações zangadas da Natureza, perante os sucessivos abusos cometidos contra si.
Numa canção do Zeca Afonso aventava-se a possibilidade de as formigas no carreiro, ao andarem à roda da vida, acabarem por escolher um outro, alternativo. E esse foi o tempo em que a utopia igualitária, feita de justiça e fraternidade, parecia tangível. Mas, por essa altura já um cowboy na Casa Branca e uma megera em Downing Street comandavam o assalto, que teria como lado fundamental do triângulo um protetor de pedófilos, vindo da Polónia para, a partir do Vaticano, lançar a Cruzada contra as novas Jerusaléns.
Ninguém ignora que o comboio referido pelo jornalista está em iminente risco de saltar definitivamente dos carris. Assim no-lo indicam os turbulentos sobressaltos, que os telejornais vão deixando transparecer. Igualmente o demonstram os ululares das hienas, que vêm propor deportações ou expulsões como falsa solução para tudo entrar nos eixos. Ou o sibilar de certas cobras, que querem fazer o tempo voltar para trás, como se a harmonia adviesse da fantasiosa liberdade concedida aos mercados, quiçá mesmo dos cadáveres há muito sepultados, no seu tempo saudados com cruzes gamadas ou saudações de braço estendido.
Talvez a vacina venha de Itália, com as sardinhas que se mostraram capazes de ocupar praças e avenidas, derrotando o exército dos zombies, quando eles quiseram conquistar a Emília-Romagna no último fim-de-semana. E que começáramos a ver emergir nos jovens, que impediram o Partido Trabalhista inglês de retroceder até à falaciosa Terceira Via e estão a apoiar entusiasticamente Bernie Sanders ou Elizabeth Warren para que um deles arrede o pato-bravo da Casa Branca. Como dizia um grande poeta francês, quase sempre ao fim da noite, há uma janela aberta e iluminada por onde tudo volta a ser possível. Até a forte probabilidade de nos sentirmos novamente transportados confortavelmente sobre harmoniosos carris.
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