Num artigo da mais recente edição do «Le Monde Diplomatique», na sua versão portuguesa, Serge Halimi lembra como, no final dos anos 80, os defensores do social-liberalismo proclamaram o fim das convulsões ideológicas com a definitiva marginalização das classes populares dos debates públicos e das instituições políticas, doravante monopolizadas pela burguesia cultivada.
Esse processo teve início na França de Mitterrand em 1983, seguindo-se-lhe a Nova Zelândia no ano seguinte e consagrando-se depois com Tony Blair, Bill Clinton e Gerhard Schroeder naquilo que seria descrito como «A Terceira Via». Tratava-se de invadir o aparelho de Estado, a comunicação social e os conselhos de administração das empresas com os antigos paladinos da «social-democracia».
Os partidos, que se reivindicavam dessa herança política prescindiam da sua pretérita base social de apoio, ou seja dessas classes populares doravante abandonadas, sem representação política até a extrema-direita ver nela um filão a explorar. Porque, como dizia Dominique Strauss-Kahn, antes de cair em desgraça, a esquerda deveria atrair os assalariados informados e educados, que sentissem apego à economia de mercado. Eles representariam o paradigma das classes médias, sem as quais seria estulta a ambição de conquistar, e exercer o poder político.
O resultado dessa estratégia, profundamente errada, ficou à vista: no Parlamento Europeu, que será eleito em maio, o grupo socialista ver-se-á reduzido a uma dimensão impensável há uns quantos anos atrás. Razão para ganhar juízo e recuperar o que perdeu entretanto, a começar pela ideologia efetivamente socialista. Para tal não será descabida a vertente sindical. Segundo Daniel Oliveira importa retomar o sindicalismo político (não partidário), que se fundamente na solidariedade entre todos os trabalhadores, quer do setor público, quer do privado, transversal a enfermeiros ou a entregadores de pizzas, porque reassumido como de classe e não de corporação.
Para muitos apoiantes das políticas de esquerda pode justificar-se voltar atrás, até ao momento em que a dinâmica política destinada a consagrar valores, que se pretenderiam valorizar - a liberdade, a igualdade e a justiça social - se viram amesquinhados por quem via na globalização a solução para que o sistema económico baseado na exploração do homem pelo homem conseguisse perdurar mais algumas décadas. Recuperar os valores e os conceitos ideológicos, espezinhados como datados e ineficazes para a aplicação futura, poderá constituir a alternativa a esta contínua entropia política e social, que ameaça agravar a caótica falta de rumo, que ameaça todos atrair a fatal vórtice.
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