quarta-feira, 13 de março de 2019

Porque faz todo o sentido apoiar a independência catalã


Como efeito prático da educação em mim inculcada em criança pelo ensino salazarista, comecei por olhar para os castelhanos como sendo piores que o toucinho para Maomé. Eles eram os vilões com que nos havíamos guerreado séculos a fio e até nos tinham privado da independência durante sessenta anos.
A adolescência trouxe-me os Aguaviva, Paco Ibañez, Lorca, António Machado e toda a gesta da Guerra Civil Espanhola, com Picasso, Miró à mistura, e o anticastelhanismo diluiu-se num mais lúcido antifranquismo. A Democracia nos dois países, primeiro a nossa, a deles depois, foi apagando o que restava desse sentimento infantil.
E, no entanto, ele volta a emergir, quando vamos assistindo à tentativa de esmagamento judicial do anseio catalão a uma independência democraticamente demonstrada pelo poder do voto. E, sobretudo, pelo crescimento do fanatismo expansionista castelhano expresso quer pelo discurso político dos partidos das direitas, desde o Popular aos Ciudadanos, culminando no inequívoco neofranquismo do Vox. Foi dessa raiz ideológica, que surgiu a reivindicação da Real Academia de História em como a viagem de circum-navegação foi uma proeza exclusivamente «espanhola».
Essa deturpação dos acontecimentos omite a importância que os conhecimentos de Fernão Magalhães e das duas dúzias de portuguesas, que o acompanhavam, tinham da navegação na costa africana a sul do Equador, e do Índico, sem a qual a viagem teria tido todas as condições para ficar comprometida.
A posição das direitas castelhanas filia-se afinal na pretensão ancestral de abocanhar toda a Ibéria, colocando-a sob o jugo de Madrid, e que se traduzia nos exercícios militares durante o franquismo, que incluíam a possibilidade de uma invasão ao nosso país. E explica, igualmente, porque Salazar cuidou de entrar atempadamente na NATO, em 1949, colocando-se sob um chapéu protetor, antes que o vizinho tornasse em realidade as suas ambições. Recordemos que a Espanha só em 1982 teve entrada na organização militar dos países subordinados ao Pentágono.
Importa, pois, apoiar as pretensões catalãs para nos acautelarmos desse incurável expansionismo castelhano. Porque, por estes dias, não faltam artigos de jornal a proibir o governo de Madrid a associar-se a Portugal numa celebração conjunta do quinto centenário da viagem de Magalhães e Elcano. Como se isso possa constituir grave insulto à honra dos nossos gananciosos hermanos.
A melhor solução para conter-lhes os ímpetos é que toda a Espanha se cinda de acordo com os seus distintos povos, que possuem identidades culturais bem distintas do que, do centro da Península, se julga no direito de ter todos os outros à orbitar á sua volta.

Sem comentários:

Enviar um comentário