quarta-feira, 6 de março de 2019

Como combater a criminosa disseminação de fake news


A manipulação sempre existiu. E tempos houve em que assumiu proporções bastante mais graves do que as atuais, porque fundamentou todo o percurso, que guiou um povo conhecido pela sua cultura ao hediondo crime contra os judeus. Quem o lembra é Pedro Adão e Silva, entrevistado por Natália Faria para o artigo de fundo ontem inserido na edição de aniversário do «Público». Décadas antes a disseminação da fraude em forma de livro, que foi «Protocolo dos Sábios do Sião», justificou a sanha antissemita em França, que se abateu sobre o capitão Dreyfus e levaria às ascensão brutal dos nazis com tudo quanto se seguiu nos doze anos seguintes. E que ainda continua a ecoar na distorcida mentalidade de milhares de seus seguidores.
No mesmo artigo um investigador da Universidade do Minho, Luís António Santos, recordou outro momento em que a criação de notícias falsas foi a estratégia seguida pelos que, em 1522, procuravam garantir a nomeação de um dos Médicis para suceder a Leão X como papa. Pietro Arestino escrevia textos inflamados contra os adversários da família florentina, afixando-os no pedestal da estátua de Pasquino em Roma para que todos os pudessem ler. Terá sido essa a razão para o surgimento da palavra «pasquim».
Se as fake news não são fenómeno novo as redes sociais deram-lhes, porém, uma rapidez de propagação, que antes não existia. Ao contrário do que idealizara Habermas, a internet não possibilitou a criação de uma Utopia em que, acedendo a informações fundamentadas, as populações pudessem tomar decisões racionais e consonantes com os interesses do bem público.
As Primaveras Árabes demonstraram-no: se grandes movimentos de massas puderam emergir do que as redes sociais então produziram, as consequências foram trágicas, ascendendo a muitos milhares de vítimas as causadas pela perversa evolução dos acontecimentos. As Revoluções no Magreb ou no Médio Oriente acabaram por ser apossadas pelos salafistas, senão mesmo pelos fundamentalismos mais extremos, em nenhum lado suscitando a Democracia pujante idealizada por quem as olhara com inusitada expetativa. Até a periclitante Tunísia continua a evoluir numa corda bamba, sem que se defina se cai para o lado luminoso, se para o mais sombrio da sua História.
Pedro Adão e Silva constata ser possível enunciar, como balanço do peso excessivo das redes sociais nas nossas vidas, um recuo da racionalidade, ao mesmo tempo que são muitos a denunciarem o quanto elas trouxeram a lume o pior da natureza humana. Estudo recente mostra que, nesse sentido, os portugueses até se comportam pior que a generalidade dos europeus: enquanto 58% destes conseguem discernir nas notícias o que é verdadeiro do que é falso,  os nossos compatriotas ficam-se pelos 48%.
O professor do ISCTE, que aqui tem sido abundantemente referenciado, dá uma solução judiciosa para combater essa permeabilidade coletiva aos que disseminam notícias falsas com propósitos criminosos: trabalhar para que se recupere o papel dos media, dos intelectuais, dos sindicatos, dos partidos e dos parlamentos enquanto mecanismos de intermediação entre a perceção das pessoas e a realidade dos factos. A solução está, pois, ao nosso alcance: só temos de apoiar e consolidar o esforço de quantos procuram fazer da Humanidade uma existência mais digna e sensata.

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