Na iminência de ver concluídas as férias, com o regresso à diáspora dos familiares aqui instalados para curta estadia, vi com maior disponibilidade a «Quadratura do Círculo» desta noite e tive pena da forma como ouvi Jorge Coelho expressar-se contra o Syriza.
Mas para alguém que confessa ter-se enganado quanto ao comportamento de merkel, como se ainda estivesse em idade de acreditar no Pai Natal, a violenta crítica à estratégia de Tsipras nos últimos seis meses, é ilustrativa da inquietante abulia dos partidos socialistas e sociais-democratas perante o desvario austeritário da direita populista, dominante nas instituições europeias.
Será que o antigo dirigente socialista terá alguma dúvida que, desde a vitória do Syriza nas eleições gregas o seu governo poderia pintar-se de qualquer das cores preferidas de schäuble e seus sicários, sem conseguir deles qualquer outro acordo senão o da sua humilhação?
A direita assustou-se com a vitória de um partido, que voltou a dar importância aos valores tradicionais da esquerda europeia e quis defenestrá-lo antes de provocar o exemplo noutros eleitorados.
Como se viu nas eleições inglesas, recentemente ganhas pelos conservadores, o problema da esquerda europeia é ter vergonha ou receio de assumir aqueles que são os seus princípios fundamentais: a regulação dos excessos de um capitalismo cada vez mais selvagem e a redução das obscenas desigualdades sociais, incrementadas nos últimos anos, em particular desde a queda do Muro de Berlim.
Se com os comunistas é difícil fazer acordos políticos à esquerda, demonstrada que está a sua particular apetência para se coligarem exclusivamente à direita, seja por atos, seja por omissões, as esquerdas socialistas e sociais-democráticas bem fariam em abrir espaço de diálogo e concertação com alguns movimentos levianamente classificados de radicais pelo mainstream mediático, por representarem eles, muito frequentemente, o regresso ideológico a uma matriz de que, entretanto, se desviaram.
Execrar o Syriza, como o fez Jorge Coelho, ou o escreve Francisco Assis, constitui reação, que contraria as próprias orientações do secretário-geral do Partido Socialista, para o qual não existe razão para restringir a possibilidade de concertação de políticas governativas aos partidos erroneamente classificados como do «arco da governação».
Os acontecimentos do passado fim-de-semana terão feito pender muitos europeus (e eu incluído) para uma acrescida simpatia pelos gregos (a força bruta só pode suscitar asco!) e para uma progressiva rejeição à Europa modelada pelo pensamento do gauleiter alemão das Finanças. E mal será que o PS, ou pelo menos alguns socialistas com responsabilidades se colem a quem não desmerece o epíteto de opressores.
Num filme de Nanni Moretti, este invetivava o então líder da esquerda italiana, Massimo d’Alema, para que dissesse no seu televisor alguma coisa de esquerda. É isso que pedem muitos milhares de simpatizantes e militantes socialistas: que o discurso de quem tem responsabilidades políticas ou históricas no PS seja conforme com o que os fez aderir às causas, que sempre fundamentaram a sua existência. Porque, caso contrário, teremos sempre o Pasok grego a demonstrar-nos o que sucede a um partido socialista com vergonha de o ser…
É que expressões como as de que as «eleições se ganham ao centro» são daquelas balelas milhentas vezes repetidas, mas redondamente falsas: os eleitorados só querem eu se lhes garanta convicção e fiabilidade na expetativa de ver melhoradas as suas qualidades de vida.
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