É curiosa a leitura que a maioria dos analistas políticos tem feito do “acordo” conseguido em Bruxelas, pelo qual a Grécia teve de se render aos ditames de merkel & schäuble. A exemplo dos que, em tempos idos, defenderam o “fim da História” com a queda do muro de Berlim, esses analistas julgam encerrada uma guerra, que terá tido resultados definitivos: Tsipras capitulou e a Alemanha pôde comprovar que, ou está-se de acordo com ela, ou acaba-se destroçado.
No entanto, a História, embora fértil em exemplos de situações de eliminação pura e simples de povos derrotados, também não deixa de ser menos rica em situações exatamente opostas. Por isso mesmo ainda é muito cedo para considerar o acordo de ontem como o fim de uma guerra, antes mostrando-se mais avisado entendê-lo como o resultado provisório de uma batalha, que terá corrido mal para o Syriza. Os alemães parecem ter-se esquecido de uma evidência histórica: nunca os gregos acabaram derrotados nas guerras em que se envolveram, perdendo batalhas, mas sendo deles a vitória definitiva.
A exemplo do que grandes jogadores de poker ensaiaram, e continuarão a ensaiar, Tsipras viu-se com cartas pouco atrativas, mas apostou no “bluff” até quase ao fim na esperança de reverter a seu favor uma situação que era má à partida. Em cem vezes, provavelmente só uma teria possibilidade de sucesso, mas o mérito do primeiro-ministro grego foi tê-lo tentado.
Agora resta-lhe deixar expandir-se a imagem (ainda mais) negativa que merkel e schäuble terão recolhido deste momento histórico lamentável. Por norma a arrogância dos fortes acaba por suscitar uma reação, igualmente poderosa, a curto prazo. E, além dos povos em particular, que terão partilhado a alegria dos gregos pelo sucesso da sua manifestação de dignidade - essa corajosa capacidade de dizer - Não -, são muitos os que denunciam, até mesmo nos insuspeitos «Financial Times», «The Economist» e «New York Times» - a irracionalidade de uma “solução”, que nada resolve no essencial. Nem a dívida grega se tornou mais fácil de pagar, nem o crescimento da economia grega, ou mesmo europeia, encontrará aqui a via para o tal crescimento, que continua abaixo de medíocre.
Tsipras poderá, porém, sentir confiança noutros sinais bem mais animadores: as divergências que os socialistas europeus assumiram contra as posições dos partidos do grupo PPE, e que Hollande personificou ao rejeitar liminarmente o Grexit. E, particularmente, a discussão acesa, que terá havido entre Mário Draghi e wolfgang schäuble.
Os tempos correm, pois, em desfavor de um rio que está a secar: o da austeridade como estratégia política de imposição de uma ideologia condenada ao declínio. O aparente reforço de caudal esconde o que se seguirá: a da sua inevitável aridez.
Até por ter acabado há pouco a leitura do relato autobiográfico de um dos combatentes da Sierra Maestra, Tsipras poderá imitar a estratégia seguida na revolução cubana dos finais dos anos 50: perdeu a primeira batalha, e até pareceu condenado a uma eterna submissão ao batista de momento, mas recuando para posição menos exposta poderá preparar a batalha seguinte em melhores condições. E, nessa altura, poderá ter maiores e melhores apoios para impor a imprescindível reestruturação da dívida. Porque, desta feita, julgou possível encontra-los e eles não apareceram...
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