quarta-feira, 13 de junho de 2012

A vingança


O que é filosoficamente a vingança? Como a distinguir da desforra com que pode ser tantas vezes confundida?
Eis o tema do programa semanal de Filosofia, que Raphael Enthoven apresenta semanalmente no canal ARTE e que contou com a colaboração de Michel Erman na emissão do dia 10 de Junho, porquanto este acabava de publicar um ensaio dedicado precisamente ao tema: «L’Éloge de la Vengeance».
Temos então a desforra como uma forma atenuada de vingança porque, ao contrário desta, pressupõe regras. A equipa A perde 3-0 com a equipa B na primeira mão, mas desforra-se ganhando-lhe 3-0 na segunda mão. Eis um bom exemplo de como a desforra tem, sobretudo, cabimento em linguagem desportiva.
A vingança, pelo contrário, é quase sempre desproporcionada. Um dos argumentos para a criação da pena de morte na antiga Babilónia terá sido precisamente para conter a sucessão descontrolada de vinganças tribais. Instituiu-se assim a chamada lei de Talião.
A pena de morte é, pois, um ato de vingança. Já Camus o dizia, apesar de Montaigne a condenar enquanto demonstração de uma condenável crueldade. Porque pressupunha a satisfação pelo espetáculo de alguém a morrer.
Essa satisfação é evidente na fotografia anterior relativamente à derradeira execução pública de um condenado á morte em França, Eugéne Weidmann que, em 1939, foi inculpado de seis crimes.
Essa exibição pública da morte ainda decorre da defesa da pena de morte pelos filósofos das Luzes (Kant, Rousseau), que viam nessa opção a eliminação de quem, pelos seus atos, se colocara definitivamente à margem da sociedade.
Outra imagem terrível analisada no programa foi a da execução por lapidação de Mohamed Abukar Ibrahim, em 13 de dezembro de 2009, a quem um tribunal islâmico somali condenara por adultério. Na pedra erguida ao alto por um dos executores, quando o corpo já parece esvaído de vida, existe a presunção de executar um castigo divino, mesmo tratando-se, na realidade de uma barbárie.
E ainda outra imagem, não menos horrível, dá o mote à vingança vivida como uma espécie de jubilação com a imagem do linchamento de Elmer Jackson, Elias Clayton e Isaac McGhie em Duluth (Minnesota) em 15 de junho de 1920, acusados infundadamente da violação de uma rapariga. À volta dos corpos enforcados, os assassinos posam sorridentes, vestidos nos seus melhores fatos e gravatas, depois de terem ido buscar os suspeitos à prisão aonde deveriam estar protegidos.
Um episódio, que daria a Dylan o ensejo para criar a sua «Desolation Road» e que muitos lembrariam enquanto exemplo do racismo surgido da progressiva concorrência dos operários brancos do norte dos EUA pelos negros vindos do Sul para supostamente os espoliar dos seus ordenados. Um pequeno rastilho encontrava, então, o ensejo para crimes irreparáveis
Perante tais documentos justifica-se a pergunta: qual a satisfação extraída de uma vingança? Nietzsche falava de sadismo. Mas, em todos esses exemplos funciona o instinto gregário, a volúpia a diluir-se na irresponsabilização no coletivo. Por isso se trata de um tipo de comportamento eivado de riscos muito sérios. Porque, por ela transita um enorme potencial de injustiça...

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