domingo, 31 de maio de 2020

Insensato me assumo


1. O irlandês Bernard Shaw viveu quase um século, vendo a Inglaterra vitoriana transformar-se à conta da Revolução Industrial, que proletarizou camponeses e agravou as desigualdades na distribuição dos rendimentos. Arguto, tinha uma prodigiosa verve ao escrever e ao falar, sobretudo, confrontando-se com quem se sabia oposto nos valores. Arriscava-se, amiúde, a dar razão a um dos seus títulos mais conhecidos: um Socialista Insociável. Porque era essa intransigência na transformação da sociedade em sentido mais igualitário, que justificava muitos dos seus textos e a maioria das suas atitudes cívicas.
Numa das frases agora dele recordada conclui-se que “o homem sensato adapta-se ao mundo. O homem insensato insiste em tentar adaptar o mundo a si. Sendo assim, qualquer progresso depende do homem insensato”.
Razão para que, quem com ele se identifica, sinta orgulho em insensato se assumir. Sendo realista, exigindo o impossível. Mesmo que isso acabe por acontecer mais cedo do que se antevia e se demonstre bem mais exequível do que os detratores considerariam improvável.
2. Esteve a decorrer, ou ainda perdura, a campanha mais recente do Banco Alimentar, que merece o alto patrocínio de Marcelo e garante à tia Jonet uma notoriedade, que lhe satisfaz o ego e, porventura, a esperança de futuras cunhas favoráveis no céu cristão capazes de, nele, lhe fazerem perdurar os lugares de administradora a que vai acedendo nalgumas empresas.
Como de costume o meu contributo é zero. Não por falta de solidariedade com os desfavorecidos, que recorrem a essa instituição, mas por ser ela o exemplo daquilo que, em tempos salazaristas, consistia em brincar à caridadezinha por parte daquele tipo de senhoras, que um poema de António Gedeão dizia  maliciosamente que nunca mais (oh” nunca mais!).
Em definitivo exige-se ao Estado, mormente através da Segurança Social (e marginalizando o parasitismo das Misericórdias!), a resposta aos que passam por inaceitáveis carências nos seus direitos fundamentais. Por um vez manifesto o acordo nauseado com o que escreve a economista Susana Peralta no «Público»: “é preciso pensar que espécie de sociedade é esta que perante pessoas que podem ficar com fome durante mais de um ano se contenta com oferecer uns pacotes de arroz para as campanhas do Banco Alimentar. Este cheirinho feudal dá-me náuseas”.

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