Recuso-me a ouvir o Aldrabão, pelo que dele vou sabendo o que a imprensa ou as redes sociais me vão dando conta a propósito do seu sinistro pensamento. Agora soube da tentativa de cavalgar a onda emocional suscitada pelo crime na Atouguia da Baleia para vir com propostas insanas sobre as penas a aplicar em tais casos, procurando remeter para o esquecimento a campanha contra a etnia cigana, que tão mal lhe correu, sobretudo graças à trivela de Quaresma.
Advogado de formação, o Aldrabão teria aqui motivos para ser expulso da respetiva Ordem, porque supostamente desaprovaria um dos seus pares que viola o princípio de presunção de inocência dos suspeitos, ou mesmo arguidos, até transitar em julgado o veredito sobre eles decidido por um tribunal competente para o emitir. Mas, tendo em conta que as Ordens há muito se converteram em organizações apostadas na intervenção política contra as esquerdas em geral e os socialistas em particular, será improvável que a do Aldrabão venha a pronunciar-se sobre a sua recorrente demonstração de violação de qualquer ética deontológica.
O caso veio coincidir com a leitura de uma antologia de crónicas de Mário de Carvalho («O que eu ouvi na barrica das maçãs») publicadas em jornais e revistas há cerca de duas dúzias de anos.
São textos deliciosos e um deles veio ao encontro do que o Aldrabão anda a propalar.
Conta o escritor que, logo a seguir à Revolução de Abril, num comício do PCP a multidão começou a gritar a palavra de ordem “Morte à Pide” ou “Morte à CIA”. Pedagógico, Álvaro Cunhal pegou no microfone e desaprovou tais ditos, porque, se algo há de que os portugueses se podem sentir muito orgulhosos é o de terem sido os primeiros a acabar com a pena de morte.
Essa evocação é elucidativa sobre as diferenças entre as práticas políticas de há quase meio século com as atuais. Na altura valorizavam-se os princípios, os valores e enaltecia-se a educação para a cidadania, que nos tornaria melhores e mais informados. Hoje, à conta da comunicação social, que aliena, desinforma, manipula e mente sem qualquer pudor, surgem os Aldrabões, que procuram promover-se à conta dos piores instintos dos que, acriticamente, os ouvem.
Noutro texto da mesma época Mário de Carvalho previa o que se teme para o futuro próximo: “o jornalismo cão há-de merecer um mundo cão”.
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