Há muito que as direitas, sedeadas nos órgãos de comunicação social, usam e abusam de uma falácia, que nunca é merecidamente desmascarada. Tal acontece quando Daniel Bessa diz uma das suas atoardas contra o governo e logo aparecem telelocutores ou escrevinhadores a iniciar a notícia sobre tal assunto com o inevitável «o antigo ministro socialista, blá-blá-blá... blá-blá-blá».
Que o economista em causa nunca foi socialista sabemo-lo desde sempre, muito embora António Guterres tenha abusado da sua complacência católica ao chamá-lo para o governo, quando quis mostrar a abertura dos socialistas à eufemística «sociedade civil». Equivocou-se com o facto de, perito em fazer-se passar por quem nunca foi, o dito Bessa tenha andado pelo MDP-CDE, quando a Revolução de Abril aconselhava a vestir farpela condizente com os tempos.
O equívoco não durou seis meses: a tomada de posse foi a 25 de outubro de 1995 e a sua saída do governo aconteceu a 28 de março de 1996. Isto quer dizer que tendo estado Guterres no cargo de primeiro-ministro durante quase sete anos, bastaram cinco meses para as referidas direitas apontarem o palrador em causa como o ministro de todo esse período. E julgam assim caucionar os estapafúrdios propósitos do oportunista.
Há, no entanto, uma diferença de irresponsabilidade entre essa imprensa, que sabemos charlatã e quem veste farpela de político no parlamento. E isso torna a intervenção de Inês Corte Real, líder do PAN, particularmente inaceitável, porque eivada do mesmo oportunismo, quando ontem se dirigiu ao primeiro-ministro durante o debate quinzenal.
Cavalgando a onda populista, que procura pôr em causa a decisão do governo em comprar máscaras e outro material de proteção contra o covid-19 por ajuste direto quis sobressair os contratos firmados com a Quilaban do antigo líder da Associação Nacional de Farmácias João Cordeiro, como se ele fosse socialista e em ligação promíscua com os decisores no governo.
Ora, a exemplo de Daniel Bessa, esse empresário nunca foi socialista. Pelo contrário nunca os socialistas poderão esquecer-se das suas intervenções ofensivas contra o governo de José Sócrates, quando o ministro Ferro Rodrigues decidiu contrariar-lhe o monopólio do setor com a abertura das farmácias hospitalares. O atual bastonário dos Médicos, que tantas vezes nos irrita com as suas intervenções enviesadas sobre a realidade do setor público da saúde, passa por autêntico menino em comparação com a torpe veemência de João Cordeiro nessa altura.
Vêm agora os oportunistas aludir ao facto de ter encabeçado a candidatura socialista à câmara de Cascais, quando António José Seguro era secretário-geral. Só quem tiver memória curta se esquecerá da indignação de muitos militantes e simpatizantes perante tão absurdo convite, razão porque se escusaram de colaborar nessa campanha específica.
O que a líder parlamentar do PAN mostra bem é o tipo de comportamento político advogado por um partido que ouvimos considerar-se nem de direita, nem de esquerda. A intervenção de ontem - que António Costa ripostou com uma elegância que a interlocutora não merecia - demonstra bem que esse propalado hibridismo é outra balela: o partido, que surgiu para ocupar o espaço que os Verdes nunca conseguiram expandir pela suspeita de serem uma sucursal do PCP com outro nome, pende inevitavelmente para a direita representada no Parlamento. E, sem a subtileza de Rui Rio, que apareceu no debate a focalizar-se na TAP para não repetir a triste figura da véspera na entrevista ao CMTV, Inês Corte Real esteve ao nível de Telmo Correia, de Cotrim de Figueiredo ou do Aldrabão ainda mais à direita. Como diriam os franceses tout les beaux esprits se rencontrent...
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