domingo, 10 de maio de 2020

Na Primeira Linha: as verdades do jornalista Robert Fisk


O filme chamava-se Correspondente de Guerra, Hitchcock realizara-o em Hollywood logo após despachar a encomenda de Rebeca e valeu ao jovem Robert a decisão sobre o que pretenderia fazer na vida: seria jornalista.
Meu dito, meu feito, não passaram muitos anos até ser enviado para Belfast em nome do Times para cobrir a guerra civil entre o IRA e o exército britânico. O pai, que andara nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, e pusera na gaveta as medalhas aí recebidas por ter-se tornado imediatamente pacifista, ficou satisfeito com a notícia: trabalhar para um dos principais jornais ingleses significava, que o herdeiro teria futuro numa profissão, que encarara com particular desconfiança quanto à probabilidade de lhe garantir a sobrevivência.
A estadia na Irlanda do Norte valeu a Robert Fisk a primeira lição fundamental, que nortearia o seu percurso na imprensa: desconfiar das verdades oficiais, porque, naquele momento em concreto, revelavam-se muito diferentes, se não mesmo opostas do que o aprofundamento da realidade apurava.
Anos depois não seria a Revolução dos Cravos - que esteve a acompanhar nos primeiros meses - a dar-lhe outra viragem significativa na sua vida: de Londres mandavam-no para o Médio Oriente para prestar testemunho sobre o que aí se assemelhava a turbulento caldeirão sempre a extravasar. Quarenta e quatro anos depois ainda por lá anda até por ter fixado residência em Beirute. E tão longa observação dos acontecimentos motivam-lhe a escusa à suposta objetividade de quem olha a realidade a partir de cima dado contactar com quem sofre as piores consequências das sucessivas guerras aí lavradas.
Ao mostrar-se irredutível no relato verdadeiro dos factos suscitou a ira dos israelitas ao denunciar o genocídio perpetrado nos campos palestinianos de Sabra e de Shatila como muito semelhante aos praticados pelos nazis nos campos de extermínio. Não faltaram acusações de antissemitismo apesar de nenhum contrafacto desmentir aquilo que as suas reportagens e outras peças jornalísticas revelavam como a face odiosa do regime de Telavive, hoje ainda a merecer o foco da sua atenção através dos roubos constantes de terras ocupadas atribuídas a novos colonatos.
Outra acusação, que lhe é assacada, é a de apoiar o regime de Bashar al Assad na Síria. Mas a forma como desmascarou o suposto gaseamento da população de Douma como forma de nele encontrar pretexto para uma invasão da NATO também não foi desmentido com factos: as comissões internacionais enviadas à cidade não encontraram qualquer vestígio de sarin e os bidões com outro produto químico letal ali colocados haviam-no sido de forma tão amadora, que facilmente ficaram expostas as responsabilidades de quantos procuravam criar fake news ignóbeis, destinadas a mobilizar as opiniões públicas ocidentais para uma perspetiva falseada do que estava a acontecer naquele cenário de guerra civil.
Contribuiu, igualmente, para essa má fama junto dos governos ocidentais a reportagem em que, na Bósnia, encontrou provas indesmentíveis da venda de armamento de guerra aos sauditas para estes rapidamente o transferirem para o Daesh. Isto num país da NATO obrigado a rastrear devidamente os clientes com quem negoceia. Com tal reportagem Fisk mostrou, preto no branco, que existiu cumplicidade ocidental com o Estado Islâmico, quando este prometia fazer no Médio Oriente o mesmo papel dos talibãs no Afeganistão, aquando do objetivo de dali erradicar a influência soviética.
Não admira que Robert Fisk seja um jornalista odiado por quem olha para o Médio Oriente segundo o prisma geoestratégico do Pentágono. O documentário de Yung Chang tem a virtude de expor a metodologia deontologicamente irrepreensível, que continua a motivar Fisk para combater as mentiras e revelar todo o sofrimento que milhões de pessoas tem padecido à conta dos interesses do tal eixo atlântico, que tantos crimes contra a Humanidade contabiliza.

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