No dia de ontem os grandes cultores de Marcelo quiseram acrescentar mais uma pitada ao seu suposto mito. Diziam os repórteres à porta do hospital algo deste tipo: “Vejam bem, oh distraídos portugueses, quão grande é a sorte de contarem com Marcelo por presidente! Pois que outro teria a coragem, a determinação, o ânimo, a afoiteza, a valentia, a bravura, o valor, a temeridade, o desassombro, a intrepidez, a impavidez, o desembaraço, o denodo, o destemor, até mesmo o arrojo, de promulgar, não um, não dois, não três, mas quatro!, ouçam bem, quatro decretos, sem os quais o país pararia, milhares dos seus cidadãos sofreriam duras consequências e até a própria Terra se arriscaria a parar!”
Só não foi inteiramente assim, porque os obnóxios «jornalistas» ainda não se tornaram tão competentes quanto a sua modelo ideal: aquela apresentadora norte-coreana de voz enfática, que até a nós, à distância de milhares de quilómetros, nos leva a sentir inexplicável exultação pela nova proeza do «querido líder» bochechudo que, com o leve carregar de um botão, vai atirando prodigiosas bombinhas na direção da zurzida autoestima daquele senhor de melenas meio amareladas, meio alaranjadas.
Vivemos um autêntico culto da personalidade, fomentado pelo tipo de comunicação social, que temos: qualquer ausência momentânea do querido líder logo causa síndroma de dependência em quem se habituou a ouvi-lo perorar de manhã, à tarde e à noite. Nada pode acontecer sem que ele tenha prévio conhecimento, porque senão o Diniz do «Público» logo põe títulos garrafais a dizê-lo incompreensível desconhecedor de tudo quanto se passa no país. O que já me leva a equacionar se, quando o meu gato vai fazer as necessidades à liteira, não será de bom tom eu telefonar para o palácio a avisar do que se apresta acontecer.
Para as televisões e os jornais Marcelo é o centro do universo, o pai dos povos capaz de fazer esquecer o Zé dos Bigodes, comummente associado a tal fórmula. Resta a solução óbvia: ter a televisão desligada nos telejornais, passar lestamente as primeiras páginas das revistas e dos matutinos, que dele fazem presença mais constante do que aquelas meninas de mamas ao léu, que os tabloides ingleses afixam na terceira página.
Continuo à espera que tanto Marcelo resulte numa indigestão tal, que os portugueses o vomitem de dentro de si mesmos e o vejam como aquilo que sempre foi: um filho e afilhado de fascistas, que enquanto jornalista tratou de tramar quem lhe dera a mão (Balsemão), um ai-jesus de Ricardo Salgado com quem passava regularmente férias, um palrador incontinente apostado em atirar bitaites pouco inocentes, repletos de segundos e terceiros sentidos intriguistas, e que anda a enganar tolos, já não com papas e bolos, mas com os seus substitutos atualizados, as selfies e os abraços.
Quanto tempo terei de esperar até vê-lo apeado do pedestal e reduzido à real condição de medíocre criatura?
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