Hoje ainda não liguei a televisão. Daí que desconheça qualquer desenvolvimento no caso Raríssimos. Corro, pois, o risco de estar a passar ao lado de alguma evolução palpitante, sem que ela venha aqui contribuir à minha reflexão. Mas o dia de ontem foi elucidativo quanto ao que está em causa politicamente: a incessante busca do escândalo alheio pelas direitas orgânicas e não orgânicas como forma de encontrarem uma brecha no muro espesso, que as promete afastar duradouramente do poder.
Que importa se os seus telhados são de vidro tão fino, que pedradas bem calculadas lhos permitiriam estilhaçar? Convencem-se - e têm razões fundamentadas para tal crerem - que a cobertura quase hermética neles assentes por uma comunicação social e um aparelho de justiça concertados para soprarem ventos na direção contrária, perdurará o bastante para que nenhuma tempestade se venha sobre si desabar. Mas será que o abuso dos mortos de Pedrógão, a exploração nauseabunda de um mais do que suspeito caso judicial e a caterva de insinuações quotidianas bastarão para suster a força da verdade dos factos?
A tal ponto alguns setores dessas direitas começam a descrer da possibilidade de verem bem sucedida tal estratégia, que estão a apostar seriamente no recurso às fake news. Que outra explicação pode haver para a publicação da notícia sobre a quadruplicação dos subsídios à Raríssimos senão criar mais um foco de agitação antigoverno durante as horas bastantes para que os mais incautos com ela se indignassem e confirmassem as suspeitas anteriormente criadas pelos mesmos focos de manipulação mediática sobre o ministro Vieira da Silva? Paulo Baldaia, um serventuário medíocre do governo anterior continua a cumprir o papel de marioneta que os seus donos lhe impõem à frente do «Diário de Notícias».
Como poderiam os tais ingénuos alimentar sequer dúvidas sobre a probidade do ministro se teria aprovado as contas, que agora mandara auditar, como o diziam as notícias de abertura dos telejornais e os títulos de primeira página dos jornais? Seria só por ignorância ou por pura malvadez que esses «jornaleiros» afiançavam algo tão rotundamente falso como Daniel Oliveira trataria de, superlativamente, esclarecer: “O terceiro sector não está sob tutela do Estado. Como 75% dos recursos da Raríssimas não são públicos, não é o Estado que anda a ver se gastam o dinheiro em gambas e vestidos. Isso cabe aos órgãos da própria associação. (…) O que a Assembleia Geral aprova são as contas, conhecendo as grandes rubricas. Não estão lá as gambas e os vestidos. Desde que as IPSS foram dispensadas de ter revisores oficiais de contas, que teriam deveres diferentes, a Assembleia Geral só poderia conhecer esses abusos se o tesoureiro os reportasse.” Ora o delator de serviço, agora meio acabrunhado por lhe darem os quinze minutos de fama a que tanto aspirara, teria esperado seis anos para desmascarar a trafulhice em que fora cúmplice ativo. E acrescenta Daniel Oliveira: “Não à Assembleia Geral, como era seu dever, mas à TVI.”
Claro que quem conhece o funcionamento das Assembleias Gerais de instituições como a Raríssimos sabe bem que quem a elas pertence como dever cívico, mais na lógica de dar conforto honorífico à sua atividade - que presume irrepreensível - não vai detalhar números de relatórios ou orçamentos que provavelmente nem chega a abrir. Daí que a tentativa das direitas tenha também uma constante: abater tanto quanto possível os mais competentes ministros deste governo. Há um ano estavam com a mira postada em Centeno, agora pretendem-na manter focada em quem muito sabe sobre a governação das matérias relacionadas com o Trabalho e com a Segurança Social.
A concluir vale a pena olhar para a constatação que, deste caso, retira Rui Tavares na sua crónica no «Público»: “há dias em que olho para o nosso debate público (…) e penso que está na altura de fazer a pergunta incómoda: estará a nossa necessidade de ódio, na política como na religião como no futebol, a ficar impossível de satisfazer? Encaremo-nos ao espelho antes que fiquemos mais feios.”
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