Está mais do que demonstrada a tese de, sendo a História contada pelos vencedores, estes dela darão a narrativa mais conveniente. Escolhamos ao calhas uma qualquer época passada e, elencados os seus principais factos, podemos logo indicar quem tratou de a moldar de acordo com tal seleção.
O livro ontem lançado por Cavaco Silva com a presença entusiasmada das várias direitas - da mais extremista, personificada em Passos Coelho, à eanista representada pelo seu criador - vai nesse sentido: apesar de ter vencido quatro eleições por maioria absoluta e ser o político por mais tempo em cargos de poder a nível nacional, o antigo presidente sabe-se um irremediável perdedor. Por isso dedica-se à recriação das memórias, realçando o que lhe convém e omitindo, muito oportunamente, tudo quanto sabe macular-lhe definitivamente o legado.
Perante as reações populares aos funerais de Álvaro Cunhal e Mário Soares, ele sabe de antemão o que se lhe adivinha, quando passar de cadáver adiado a irrevogável defunto. O desprezo ou a indiferença são-lhe inevitáveis. Por isso estica a efabulação por quase seiscentas páginas, a que outras tantas por certo se seguirão.
Como em todos os maus romances, que primam pelo maniqueísmo, arranja um mau da fita em quem concentra todas as culpas sobre os males do país. Tomando-o como único responsável da vinda da troika, não considera sequer a responsabilidade da situação internacional decorrente da crise dos subprimes, a responsabilidade das oposições que inviabilizaram o PEC IV e, sobretudo, não assume as culpas por, durante os dez anos de duração dos seus próprios governos, ter enchido o país de betão e destruído setores económicos por que passavam muitos dos bens transacionáveis, que o país exportava ou consumia.
Não nos admiramos, igualmente, que passe por cima dos seus comprometimentos mais do que suspeitos com quanto sucedeu no BPN e as habilidades que o tornaram num homem rico, quando pouco ainda tinha de seu, quando se tornou deputado.
Porque é crível que a História venha a ser escrita pelos que vierem a superar o austericídio e o exânime neoliberalismo - de que foi empenhado cultor - Cavaco pressente a irrelevância da sua passagem pelas nossas vidas. Daqui a uma ou duas gerações será tão lembrado como um Domingues Pereira ou um António Maria da Silva, que até foram primeiros-ministros por três e quatro vezes há menos de um século. Quem deles hoje se lembra fora do círculo dos especialistas da Primeira República?
Pelo sucesso, que este governo está merecidamente a conquistar, com instituições e publicações internacionais a darem conta crescente de quanto sentem inesperados os resultados de uma estratégia governativa, que julgavam condenada ao fracasso, que clima sentirá o cinzento “escritor”, enquanto compõe o seu título seguinte e o contexto tenda a desmentir-lhe todos os preconceitos de quem viveu em permanente azedume contra quem lhos foi desmascarando?
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