É uma fatalidade histórica: os políticos mentem desde os alvores da Humanidade. Como poderia ser de outra forma, se a mentira corresponde a uma das características humanas mais vulgarizadas?
Tão só haja dominadores e dominados, os primeiros sempre tentarão legitimar-se através de mistificações, que tornem os segundos conformados com a sua condição. O que aconteceu com os que, contra os próprios interesses, se deixaram sugestionar pelos argumentos de quem os pretendia mobilizar para causas como o Brexit ou a eleição de Trump, foi revelarem-se particularmente permeáveis aos rumores e mentiras, mesmo quando elas contradisseram os factos confirmados pelos meios de comunicação tradicionais. Essas pessoas priorizaram as emoções contra os atos e os números que desmentiam as suas convicções. Daí que haja a crescente sensação de ver perigada a Democracia. Sobretudo, porque as redes sociais tendem a baralhar as noções do que é verdadeiro e do que é falso. Em contraponto com o seu potencial para democratizar a informação e torná-la pretexto para ser objeto de discussão participada. Ou até servir para lhe desconstruir os dogmas através do humor.
O que estamos a constatar é uma evidência já recolhida do marxismo: tal como as novas tecnologias aplicadas aos meios de produção, implicaram transformações políticas e sociais importantes, também na forma de comunicar isso se torna mais e mais óbvio. Por muito que haja quem lamente os efeitos perniciosos das redes sociais elas vieram para ficar e, ou se aprende a utilizá-las de acordo com as nossas conveniências, ou deixamos que outros o façam por nós.
A insuficiência das esquerdas deu às direitas a momentânea primazia por recorrerem mais eficazmente a essas ferramentas. Quando nos nossos dias participamos em reuniões a nível local e ouvimos dos principais responsáveis as propostas de agitação e propaganda, que têm permanecido quase imutáveis nos últimos quarenta anos e se comprovaram esgotadas, estamos a permitir o sucesso dos que já se decidiram a superar esses métodos.
Ao contrário do passado, quando havia quem emitisse informação e quem a recebesse, transitámos para um novo padrão em que todos somos emissores. Se anteriormente cada pessoa podia aceder a dezenas, ou mesmo centenas de mensagens informativas, hoje elas multiplicaram-se por muitos milhares. Não se pode esquecer a rapidez com que a informação circula e o seu alargado universo.
Essa realidade engendra um contexto darwiniano: há uma competição intensa por quem é capaz de transmitir uma determinada informação em primeiro lugar porque, seja ela verdadeira ou falsa, gerará receitas. E quem a antecipar colherá maior fatia do bolo em comparação com quem a reproduzir ou a tratar em décimo ou centésimo lugar. É esta a lógica do capitalismo selvagem aplicada à informação, também ela transformada numa mercadoria transacionável. Estamos na era da pós-verdade, palavra muito justamente considerada a mais significativa do ano pelo respeitado The Oxford English Dictionary, que traduz a tendência para confiarmos em grande parte no que se revele conforme com a nossa opinião enquanto tendemos a ser cegos e surdos ao que a contradiga.
Esta propensão não é nova, pois assim se explica a sobrevivência de tanto preconceito na maioria das pessoas. Mas o que se tornou novidade foi a capacidade revelada pelos populistas para manipularem habilidosamente a emissão e divulgação da informação de forma a concentrá-la num número muito restrito de conceitos, que pretenderam transformar em axiomas coletivos. Ao mesmo tempo conseguem anular a importância do que deveria prevalecer: a revelação do ignóbil machismo de Trump suscitou efeito durante um par de dias e logo foi esquecido como se nunca tivesse existido. Em contraponto surgiu o esclarecedor caso do «Pizzagate»: um grupo organizado de militantes divulgou nas redes sociais, de forma sistemática, a informação em como existiam práticas de pedofilia na campanha de Hillary Clinton como o atestariam mensagens com pedidos de pizzas de queijo, que corresponderiam a crianças para usufruto de práticas sexuais. A perversidade da manipulação chegou à sofisticação de fotografarem a suposta pizzaria, que serviria de entreposto dessas práticas, significando os seus produtos (croissants, pão-de-alho, etc) outros tantos códigos sobre o tipo de variante pretendida nesse «produto». O objetivo foi claro: se não podiam esconder a mensagem sobre por onde Trump se gabava de abordar as mulheres, “denunciava-se” algo de ainda mais condenável no campo contrário por envolver crianças.
É para este grau de sofisticação, que as esquerdas têm de procurar o antidoto. Sobretudo, porque não podem ignorar como está fragmentado o universo dos leitores ou espectadores.
Estamos distantes do tempo em que a grande maioria da população via o mesmo noticiário das vinte horas ou lia os poucos matutinos ou vespertinos disponíveis. Embora a imprensa escrita e audiovisual possa estar controlada quase toda pelo mesmo setor de opinião - veja-se o que acontece entre nós, com a sintonia de tais meios convencionais contra o governo e as esquerdas - a pluralidade trazida pelas novas tecnologias obriga a atentar e a produzir informação para todos quantos a constituem.
Outra questão, que casos mediáticos por coincidência, quase sempre focalizados em políticos de esquerda, têm demonstrado até à exaustão, é a amplitude garantida pelos tribunais ao conceito da «liberdade de informação» ou a «liberdade de expressão de pensamento», que tem varrido as fronteiras da decência e possibilitado a difamação, o assassinato de carácter. E se nos media tradicionais atinge-se dimensão que fere a deontologia a que estariam obrigados, nas redes sociais, onde esse pressuposto ético não existe, as campanhas populistas tornam-se ignóbeis nos insultos, que comportam.
Possivelmente o caminho mais correto será a aposta na divulgação de documentos concretos, cuja existência possa ser comprovada, erradicando-se todas as possíveis falsificações. Porque se analisarmos as mistificações criadas pelos populistas, todas elas mais não são do que interpretações de informações voláteis, que nada têm de concreto. A criação de uma cultura assente na valorização desses documentos reais e disponíveis ao mais largo espectro da população, será o início de um combate eficaz às estratégias manipuladoras, que se revelaram venenosas nos últimos meses.
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