Ele contou-nos que uma das grandes transformações do século XX consistiu em ter-nos feito transitar da sociedade de produção para a de consumo. E isso causou uma enorme segmentação na forma de sermos como pessoas. Passou a não fazer qualquer sentido a estratégia sartriana de definirmos um projeto para a vida, que nos faça aproximar passo a passo do que idealizamos alcançar. A imprevisibilidade tomou conta dos nossos dias, meses e anos, sem nos ser possível adivinhar o que seremos num futuro tangível. Temos uma vida convertida num somatório de episódios.
Já não pensamos a que comunidade, nação ou movimento político pertencemos. Deixámos que a propaganda em torno do indivíduo, do seu primado sobre a sociedade, tomasse conta da realidade. E somos convidados a redefinir constantemente a identidade em função das modas que surgem e das que se tornam obsoletas.
É-nos impossível prever em que tipo de realidade viverão os nossos netos e bisnetos. Porque as modas conjunturais têm durações aleatórias. Quando julgávamos, por exemplo, consolidada a ideia de Democracia, eis que a vemos posta em causa por um fascista chegado à Casa Branca através dos votos de quem o apoiou. Hoje não conseguimos discernir se ele será apenas um mero agente de transição entre uma ordem social em vias de desaparecer para dar lugar a outra, porventura mais aliciante, se alguém que definirá duradoura e negativamente o que será o mundo daqui a algumas décadas.
Chegámos, porém, a uma rede de comunicação a nível mundial que rapidamente nos dá a saber o que se passa no outro lado do mundo. E que nos influencia na forma de o interpretarmos, mesmo que estejamos mergulhados noutro universo de valores ou cultural. Convertemo-nos num único país a nível mundial, mesmo que persistam fronteiras e se teimem em construir muros.
Chegámos, igualmente, aos limites da suportabilidade do planeta no respeitante à exploração dos recursos naturais. Igualmente a um estado de assinalável divórcio entre o poder e a política, o que explica a seu modo o advento dos líderes populistas, que convencem os eleitores de serem eles os únicos a lhes ouvirem os anseios, a procurarem-lhes soluções para as imensas dificuldades com que se debatem para assegurar a sobrevivência.
Hoje nenhum Estado tem condições para dar satisfação às promessas feitas meio século atrás aos cidadãos através da miragem de uma futura sociedade de bem estar. Os Trinta Gloriosos Anos subsequentes à Segunda Guerra Mundial foram também os dos ideais democráticos, com a criação do Estado Social. Chegámos agora à fase da descrença nas potencialidades da Democracia. Aumenta o número dos que a consideram desnecessária, descartável e impeditiva dos seus interesses egoístas, porquanto a veem como defensora dos direitos de quem querem converter em bodes expiatórios das suas frustrações.
Parece claro que o enfraquecimento do Estado com as privatizações e as pressões para a redução dos impostos às oligarquias, que possuem meios para lhe reduzirem a margem de atuação, criam as condições para que ele tenha menos meios de garantir um mínimo do que chegou a corresponder aos benefícios universalmente atribuíveis na Educação, na Saúde, na Segurança Social e em todos os demais apoios, que minimizavam as situações de pobreza extrema e de gravosas desigualdades.
Vemos os Estados a subcontratarem tarefas e funções, que deveria ser ele a cumprir sem recurso a interesses privados. Caminhamos para uma época em que, depois dos neoliberais nos terem vendido a miragem paradisíaca de menos Estado para melhor distribuição da riqueza, se impõe mais Estado para garantir a sobrevivência da Democracia.
Zygmund Bauman foi um dos grandes sociólogos das últimas décadas tendo falecido em 9 de janeiro transato.
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