domingo, 31 de dezembro de 2017

Uma resposta ´comunicacional, que ainda tarda

O ano acaba com as direitas barricadas nos órgãos de (des)informação a acossarem o governo com dois tipos de estratégia: a primeira consiste em empolar até à náusea o papel de Marcelo na sociedade portuguesa, como se o governo lhe estivesse subordinado (a tese de que nada possa fazer sem primeiro o avisar ou informar!), e por isso mesmo tudo quanto de bom venha acontecendo seja obra do presidente e não da equipa ministerial de António Costa apoiada pela maioria parlamentar. A segunda consiste em manipular e deturpar pequenos factos de forma a empolá-los como se se tratassem de questões determinantes para a vida dos portugueses e apresentando-os como prova da incompetência, de má-fé ou de desonestidade do governo. No essencial pretendem criar a sensação inconsciente de Marcelo ser responsável por quanto de positivo muda na vida das pessoas, constituindo o governo o fautor de todas as dificuldades, que ainda possam sentir.
Surge assim com toda a naturalidade a designação de Marcelo como personalidade do ano, quando nenhum dos seus abraços, beijos ou selfies contribuíram um cêntimo que fosse para que a economia e as finanças públicas tenham evoluído tão favoravelmente e todos os indicadores se apresentem num tom verde alface. Se, para além de António Costa, haveria quem merecesse a distinção, esse seria naturalmente Mário Centeno.
Infelizmente, nem o  governo, nem o conjunto da maioria parlamentar, conseguiu encontrar uma forma eficaz de combater a propaganda das direitas. O desaforo destas atinge tal dimensão que, sem que tenha sequer ainda acontecido o Aeroporto do Montijo, já lançaram uma petição para que não lhe seja dado o nome de Mário Soares e a que já nove mil tratantes apuseram a assinatura.
Será que essa honra é merecida por um efémero primeiro-ministro cuja única ligação possível com a aeronáutica nacional foi ter morrido após breve voo? Ou deverá ser preferencialmente atribuída a um político, não só determinante para a instauração da Democracia e do desenvolvimento do país, como o fez atrativo para os progressivos milhares de viajantes, que foram tornando a Portela cada vez mais exígua?
E que dizer da campanha crapulosa relativamente à Agência Lusa, primeiro lançando nomes ao acaso para condicionar quem o governo viesse a convidar para a presidir e depois conotando um dos nossos melhores jornalistas com uma partidarização de que ele nunca deu provas de subscrever?
Enquanto não ajusta o calendário eleitoral para coincidir o julgamento de José Sócrates com a proximidade das eleições legislativas e europeias as direitas aproveitaram agora a alteração à lei do financiamento dos partidos para atacar violentamente o Partido Socialista. Fazem-no porque está-lhes na índole o ataque a  todos os partidos, ciente das vantagens de contar apenas com um único que se preste a servir de trampolim para todas as decisões pretendidas pelos que delas fazem seus instrumentos de poder, mas também porque sabem da condição muito complicada vivida pela situação financeira do partido do governo que, sem as receitas de uma Festa do Avante e sem qualquer Jacinto Leite Capelo Rego, não consegue ter receitas bastantes para competir em marketing político quanto elas conseguem.
Daí esta guerra de jornais, televisões, candidatos à liderança do PPD e, sobretudo de Cristas (cujo despudor de nem sequer pagar renda, nem IMI pela sede de Lisboa, propriedade do seu cúmplice Patriarcado, a leva a exprimir indignações de falsa virgem virtuosa), contra uma nova lei, que Marcelo muito prestimosamente vetará. E muitos ingénuos foram levados pela tese de haver aqui uma conspiração partidária para «se encherem», para explorarem o «pobre contribuinte».
A demagogia atingiu por estes dias uma dimensão calamitosa e os eleitores que deveriam pugnar por uma Democracia mais justa e fiável, deixam-se enganar por quem torpemente faz deles livre pasto para as suas ruminações tenebrosas. 

sábado, 30 de dezembro de 2017

O culto de personalidade de Marcelo

No dia de ontem os grandes cultores de Marcelo quiseram acrescentar mais uma pitada ao seu suposto mito. Diziam os repórteres à porta do hospital algo deste tipo: “Vejam bem, oh distraídos portugueses, quão grande é a sorte de contarem com Marcelo por presidente! Pois que outro teria a coragem, a determinação, o ânimo, a afoiteza, a valentia, a bravura, o valor, a temeridade, o desassombro, a intrepidez, a impavidez, o desembaraço, o denodo, o destemor, até mesmo o arrojo, de promulgar, não um, não dois, não três, mas quatro!, ouçam bem, quatro decretos, sem os quais o país pararia, milhares dos seus cidadãos sofreriam duras consequências e até a própria Terra se arriscaria a parar!”
Só não foi inteiramente assim, porque os obnóxios «jornalistas» ainda não se tornaram tão competentes quanto a sua modelo ideal: aquela apresentadora norte-coreana de voz enfática, que até a nós, à distância de milhares de quilómetros, nos leva a sentir inexplicável exultação pela nova proeza do «querido líder» bochechudo que, com o leve carregar de um botão, vai atirando prodigiosas bombinhas na direção da zurzida autoestima daquele senhor de melenas meio amareladas, meio alaranjadas.
Vivemos um autêntico culto da personalidade, fomentado pelo tipo de comunicação social, que temos: qualquer ausência momentânea do querido líder logo causa síndroma de dependência em quem se habituou a ouvi-lo perorar de manhã, à tarde e à noite. Nada pode acontecer sem que ele tenha prévio conhecimento, porque senão o Diniz do «Público» logo põe títulos garrafais a dizê-lo incompreensível desconhecedor de tudo quanto se passa no país. O que já me leva a equacionar se, quando o meu gato vai fazer as necessidades à liteira, não será de bom tom eu telefonar para o palácio a avisar do que se apresta acontecer.
Para as televisões e os jornais Marcelo é o centro do universo, o pai dos povos capaz de fazer esquecer o Zé dos Bigodes, comummente associado a tal fórmula. Resta a solução óbvia: ter a televisão desligada nos telejornais, passar lestamente as primeiras páginas das revistas e dos matutinos, que dele fazem presença mais constante do que aquelas meninas de mamas ao léu, que os tabloides ingleses afixam na terceira página.
Continuo à espera que tanto Marcelo resulte numa indigestão tal, que os portugueses o vomitem de dentro de si mesmos e o vejam como aquilo que sempre foi: um filho e afilhado de fascistas, que enquanto jornalista tratou de tramar quem lhe dera a mão (Balsemão), um ai-jesus de Ricardo Salgado com quem passava regularmente férias, um palrador incontinente apostado em atirar bitaites pouco inocentes, repletos de segundos e terceiros sentidos intriguistas, e que anda a enganar tolos, já não com papas e bolos, mas com os seus substitutos atualizados, as selfies e os abraços.
Quanto tempo terei de esperar até vê-lo apeado do pedestal e reduzido à real condição de medíocre criatura?

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Quem diria que estou em sintonia com o Henrique Monteiro?

É raríssimo, se não mesmo uma exceção que confirma a regra: pela primeira vez em muito tempo estou de acordo com o que escreve Henrique Monteiro na versão online do «Expresso»: “Em minha opinião, são mais perigosos os indignados do que as direções partidárias” no que diz respeito à revisão da lei de financiamento dos partidos.
Pessoalmente vejo a questão em três axiomas, para os quais não admito sequer discussão:
1. Os partidos são fundamentais para que tenhamos uma Democracia digna desse nome, e por isso mesmo, devem ser organizações financeiramente robustas para não ficarem com a existência inviabilizada acaso tenham um sério revés eleitoral. O que se está a passar com o Partido Socialista francês, que Hollande, Valls e Macron vampirizaram e destruíram, mostra bem como até os anéis mais valiosos desaparecem (a sede histórica de Paris), quando essa sustentabilidade não constituía a merecida atenção;
2. Os políticos serão de tanto melhor qualidade, quando disponham de remunerações minimamente dignas comparativamente com o que usufruiriam na atividade privada: se se paga a um ministro ou a um deputado o que aufeririam se desempenhassem cargos de chefias intermédias em empresas de alguma dimensão, não se pode esperar que sintam apetência pelos cargos políticos os que para eles seriam particularmente dotados. Embora se encontrem exceções no elenco governativo e nalguns grupos parlamentares, a verdade é vermo-nos “representados” por gente pouco qualificada da estirpe de Passos Coelho, Hugo Soares, Nuno Magalhães e outros que tais;
3. É por desprezarem a importância de partidos terem finanças sólidas e os políticos auferirem rendimentos justos, que a direita trauliteira de Cristas e a ambígua associação de Paulo Morais fazem do discurso antipartidos e antipolíticos o fulcro do seu discurso criptofascistóide. Enquanto enganarem os mais tolos com a ideia de “todos os políticos serem iguais”  e “que estão lá para assegurarem o seu” estamos condenados a ver os mais capacitados a porem de lado qualquer possibilidade de se comprometerem com o exercício de funções públicas. Quando alguém com as qualidades e competências de Vieira da Silva se tem sujeitado a tantos enxovalhos nas últimas semanas, quantos profissionais da sua igualha decidirão abster-se de se tornarem alvos da matilha das discípulas de Manuela Moura Guedes?
Henrique Monteiro tem, de facto, razão: se os partidos que votaram a lei cuidaram as condições para termos melhor Democracia, os que dela se aproveitam para a demagogia populista do costume são muito, mas muito perigosos. É que a besta fascista não é um mito: continua aí e mantém a sua inquietante venalidade. E Cristas anda danadinha por se mostrar tão imunda como Marine Le Pen ou Donald Trump. Felizmente para nós tem-se revelado aprendiz de feiticeira sem os dotes necessários para enfeitiçar quem quer que seja. Afinal, como António Costa lhe lembrou, as mais recentes eleições mostraram-lhe quanto efetivamente vale: pouco mais do que 2%.


Um 2018 auspiciosamente saboroso

Sou daqueles para quem o Natal pouco significa dada a incompatibilidade com os valores religiosos, que lhe estão subordinados. É claro que os doces são particularmente apetecíveis, pondo parêntesis nas intenções de ir reduzindo o excesso de peso, mas a outra razão para sentir alguma magia - a reunião da família - ficou seriamente condicionada por pertencer à geração que viu os filhos partirem para longe e os sabe aí radicados para todo o resto da sua vida ativa.
É verdade que Maomé poderia ir à montanha ou a montanha a Maomé mas, com os casamentos transnacionais, cria-se a regra de se passar este tipo de data ora com os pais de um, ora com os do outro, quaisquer deles a habitarem a milhares de quilómetros do sítio onde vivem ou trabalham.
Daí que, se para o réveillon estaremos integrados num grupo de dezenas de convivas, o Natal foi apenas partilhado com o cada vez mais idoso gato, responsável por nos eximirmos às grandes ausências por quanto o sabemos sofredor em cada forçada estadia no hotel uma ou duas vezes por ano.
Aborrece-me também todo o espetáculo da caridade hipócrita de gente bondosa a servir pobrezinhos humildes e muito agradecidos mas esquecidos no resto do ano. As jonets não são casos isolados, havendo quem lhe queira replicar o modelo, e até ultrapassá-lo, como ocorre com o nosso selfieman-mor. Sempre apostado em transformar cada um dos seus atos como espetáculo, que lhe garanta o papel principal, Marcelo distribui beijos e sorrisos como se fosse o grande responsável pela mudança operada no país nestes dois anos, muito embora os menos incautos saibam quanto ele contribuiu com raspas para tudo quanto significou a inflexão do país abúlico e triste, que António Costa herdou  e ao qual devolveu o direito à esperança em melhores dias.
Vão chegando notícias animadoras, que comprovam a bondade da estratégia governativa gizada pelo governo com a cumplicidade da restante maioria parlamentar. Por isso quase entra na lógica da naturalidade a constatação de ter sido possível chegar a este final do ano com um défice de apenas 1,2% do PIB, com a dívida externa a descer significativamente e corrigindo com determinação as injustiças suscitadas por quem quis ter o pote entre 2011 e 2015. O caso dos lesados do BES , com culpas no cartório no terem-se deixado levar pelo conto do vigário aplicado por Ricardo Salgado com o febril entusiasmo de Cavaco ou de Carlos Costa, que irão receber em breve parte substancial do que tinham dado como totalmente perdido.
É claro que a comunicação social é o que é: na semana em que a Fitch alterou em dois níveis o risco de compra da dívida portuguesa, o semanário de Balsemão  fez capa com o malicioso título (e factualmente falso) de estarem por construir mais de metade das casas perdidas em Pedrógão. E, na SIC Notícias, o diretor do Diário de Notícias tentava incutir a ideia da inevitabilidade de novos e gigantescos incêndios na próxima primavera, quase salivando de mera gula com a possibilidade, para ele crível, de em tal cenário Marcelo dissolver a Assembleia da República e promover uma coligação pós-eleitoral entre o PS e o PSD capaz de pôr fim à convergência atual de toda a esquerda parlamentar.
Se o Natal nos trouxe de presente a ideia de solidez no apoio popular à governação, o novo ano será o de se concretizarem os votos formulados com 12 passas e uma taça de espumante em como será ainda mais saboroso do que 2017... 

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

O desafio mais exigente que se coloca aos políticos decentes

Passados os festejos natalícios iniciamos aquele curto ciclo em que se fazem os balanços do ano que acaba e se prevê quanto possa suceder no que entra. A tentação aqui manifestada é a mesma, mas tanto quanto possível diferente no conteúdo de todas as outras, que por aí irão ocupar tempo de antena. E, apesar de termos tanto que referir a nível nacional (o sucesso das políticas económicas do governo, as tragédias suscitadas pelos incêndios) ou internacional (a Catalunha, os mísseis norte-coreanos, a força das extremas-direitas europeias), a opção natural é considerar como mais determinantes os acontecimentos, que já vinham de 2016 e se mantiveram pertinentes ao longo dos últimos doze meses: o Brexit  e a presença de Trump na Casa Branca.
O que une os dois acontecimentos, e nos deve particularmente interessar, é a relevância da participação e votação dos estratos sociais mais velhos, com menores habilitações académicas e enquadráveis na frágil fronteira entre o lúmpen proletariado e a pequena burguesia influenciada pelas igrejas evangélicas. Com todas as razões para se desligar dos que lhes vinham acenar para a possibilidade de se vingarem das elites e do «sistema» de que se sentem apartados, esse eleitorado serviu de idiota útil aos que pretendiam precisamente castigar. E a realidade vai-o demonstrando dia-a-dia: nas próximas semanas quantos desses eleitores ficarão à espera de ver mais lautos rendimentos chegarem às suas contas graças ao alívio fiscal agora decidido pela Administração Trump e descobrirão com surpresa que, afinal, a legislação foi pensada e aplicada para as grandes empresas e os grandes especuladores da Bolsa de Valores?
Daí a questão que mais importa esclarecer no imediato: como podem os políticos decentes livrarem-se das táticas aplicadas por essa extrema-direita, que não enjeita recorrer à mentira, à teatralidade grotesca e à insinuação mais torpe para ver concretizados os seus projetos sinistros?
Aquilo que Assunção Cristas tem mostrado nos debates quinzenais com António Costa é uma pequena amostra do que poderá seguir-se, sobretudo se a sua inaptidão para a conduta populista for melhor comandada por algum guru do marketing político, capaz de mascarar de diamante o que apenas é negro carvão.
Aos socialistas pede-se que não se cinjam à atitude defensiva, que tem sido a sua na permanente guerrilha de casos com que as televisões e os jornais os pretendem tolher. Se quem lhes lidera a estratégia pensa que não haverá oposição digna desse nome tão só os resultados económicos e financeiros se mantenham robustos, bem pode encontrar desmentido de tal ilação porquanto, ainda hoje, o campo do «remain» no Brexit está convencido que a sua derrota resultou de ter limitado a propaganda a essa vertente da mensagem política.
Preocupante é também a ilusão de quantos defendem a necessidade de «abrir os partidos à sociedade», dando aos eleitores, e não apenas aos militantes com quotas em dia, o privilégio de designarem os seus líderes.
Pessoalmente mantenho assumidamente a perspetiva sobre o papel dos partidos, correspondendo a sua crise atual – e até desaparecimento recente de alguns que tinham desempenhado papéis históricos relevantes em Espanha, na Itália ou na França – à demissão do seu papel liderante. Atitudes como as da referida Cristas a pedir aos militantes e simpatizantes, que lhe transmitam ideias para as integrar no seu programa eleitoral não lembra  senão a cabeças tontas como a dela.
É fundamental que os partidos à esquerda discutam interna e exaustivamente o seu projeto de futuro. E é o que resultar desse trabalho político que deve ser adequadamente transmitido ao eleitorado com mensagens simples e facilmente apreensíveis por quem o possa apoiar. O grande problema da deficiente comunicação entre eleitos e eleitores tem a ver com a escassez de oportunidades com que aqueles se dispõem a escutar os anseios de quem representam, mas também com a incapacidade para lhes transmitirem explicações plausíveis sobre como poderão dar-lhes satisfação.
Em suma sou contra as primárias abertas a não militantes (recorde-se que, no PS, tratou-se de um mero estratagema de Seguro para conseguir o que julgava vir a ser uma vitória mais fácil!) e contra a generalidade das propostas defendidas na Comissão Nacional do PS pela tendência representada por Daniel Adrião. Ao insurgir-se por o Partido ter suspendido as três centenas de militantes, que concorreram por listas independentes nas recentes autárquicas ele revela bem a sua inconsistência ideológica. Tivesse o PS a desdita de Adriões ou Assises os virem a comandar e vê-lo-íamos condenado ao declínio conhecido pelos seus congéneres na maioria dos países europeus.
Ao ter apresentado a «Agenda para a Década», em vésperas das eleições de 2015, António Costa demonstrou muito bem saber para onde pretendia fazer rumar o Partido e o país. A Visão de futuro aí exposta fazia sentido, mas foi pessimamente comunicada ao eleitorado que não lhe retribuiu o mérito que lhe caberia por justiça. Importa atualizar esse documento e encontrar novas estratégias para as transmitir à generalidade dos cidadãos de modo a que eles as entendam. Só assim se poderão evitar surpresas como as que beneficiaram Trump e os pró-Brexit.
A política é coisa demasiado séria para ficar dependente do voto de quem o usa contra os seus próprios interesses, manipulado por quem sabe muito bem como nele despoletar os preconceitos e as mais absurdas expectativas. O nosso esforço quotidiano será o de emular o que de positivo as esquerdas possam concretizar e denunciar incansavelmente todas as torpezas intentadas pelas direitas apostadas em retomarem o austericídio, que deixaram a meio…

sábado, 23 de dezembro de 2017

O Governo a exceder as melhores expectativas e Marcelo agastado

Chegamos à véspera do Natal com Marcelo a promulgar o Orçamento de Estado para 2018, mas deixando às direitas o ensejo de empolarem as «quatro chamadas de atenção», que julgou serem pertinentes para acentuarem o assumido distanciamento em relação ao governo de António Costa.
Não se compreende que um ator político sem qualquer experiência governativa nem qualquer background em questões económicas se atreva a dar bitaites a quem vem sucessivamente ultrapassando todas as expetativas criadas nessa vertente fundamental da governação. Senão constate-se a coincidência desses «reparos» com nova informação do Instituto Nacional de Estatística quanto ao facto de se ter tido apenas 0,3% de saldo orçamental negativo nos primeiros nove meses do ano, o que equivale a reconhecer que, mesmo com a carga excessiva de juros da dívida, se atingiu o equilíbrio entre a riqueza produzida e os custos assumidos pelo Estado.
Este indicador veio justificar que António Costa tenha anunciado um défice anual inferior a 1,3% do PIB, que é resultado muito melhor do que qualquer previsão até agora assumida pelo FMI, pela Comissão Europeia ou pelas agências de rating.
Não admira que um descoroçoado Lobo Xavier tenha reconhecido no último «Quadratura do Círculo» que, não só os resultados obtidos pelo governo são bons, como tenderão a ser ainda melhores nos anos, que se seguirão. O que torna esdrúxula a atual disputa pela sucessão de Passos Coelho tão certa será a derrota, e efémera, liderança de quem ganhar.
Perante tão bons resultados, de que anda Marcelo à procura?
A permanente desconsideração para com o governo não se fica por aqui: na cerimónia protocolar em que todo o elenco ministerial lhe foi apresentar os votos natalícios,  e em que António Costa prestou-se a elogiar a “solidariedade institucional irrepreensível” sem se rir, o agastado anfitrião foi suficientemente indelicado para considerar que isso sucede “porque a Constituição o impõe” (mesmo que não seja essa a sua vontade, entenda-se!), que os portugueses exigem ao governo que considere o défice uma “prioridade nacional” e que a paz social é muito bonita, mas há que atender às pretensões das empresas (constata-se o contragosto com que terá promulgado o novo valor do salário mínimo). Dito isto saiu da sala sem ter cumprido o ritual da fotografia próprio desta cerimónia, tendo de voltar atrás depois de alguém lhe ter feito notar a falha.
Conclui-se, pois, que Marcelo gosta de tirar selfies com quem possa cativar para nele vir a votar nas eleições para o segundo mandato, que não merece fazer, mas escusa-se a posar com quem é obrigado oficialmente a fazê-lo.
2017 acaba em grande para o governo, apesar das tragédias, que teve de enfrentar, mas Marcelo tem confirmado o que dele sabíamos: alguém que pouco tem a ver com a afabilidade que gosta de aparentar. No mesmo programa da SIC, atrás referido, Pacheco Pereira lembrou a saborosa constatação vivida por muitos dirigentes do PSD, quando Marcelo presidia ao partido: mesmo apertados pelas necessidades fisiológicas evitavam ao máximo sair das salas onde se reuniam, porque tão só voltavam costas logo se viam objeto da maledicência do atual inquilino de Belém.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Contra mais factos não sobram quaisquer outros argumentos

Confesso a minha satisfação pelo resultado das eleições catalãs, que deram a maioria absoluta aos independentistas e reduziram o partido de Rajoy a quatro exíguos deputados. É certo que Inês Arrimadas, do Ciudadanos, terá tido mais votos, mas de que lhe servirão se não lhe garantem o acesso à Generalitat?
A supremacia do Ciudadanos sobre o Partido Popular significa a iminente ultrapassagem deste último como maior partido da direita espanhola. Rajoy quis tanto conservar o seu pífio poder, que deu de si a imagem de um político inflexível nos seus preconceitos, incapaz de estabelecer pontes de diálogo com quem se lhe opõe. O facto de estar bem viva na memória dos eleitores a catadupa de casos de corrupção verificados no seu partido será igualmente de molde a dele fugirem para o que está em ascensão na mesma área ideológica.
Que fará Rajoy, agora que os catalães lhe deram tão violento chapadão? Mantém a situação colonial alicerçada no mal-afamado Artigo 155 e a sua vice como governadora-geral da colónia?  Reconhece o sombrio crepúsculo da sua atividade política e abre espaço a quem possa aparentar mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma?
As perguntas sobre o que ocorrerá nos próximos dias não se ficam por aí: será que o poder judicial resistirá a contestação de ter mantido presos ou ameaçados os líderes agora vencedores das eleições? Até que ponto a sociedade espanhola tolerará que juízes de mentalidade franquista a sujeitem aos seus ditames, quando a vontade popular expressa nas urnas, os contrariam? E que fará agora Filipe VI depois de tanto se ter colado a Rajoy? Tentará recuperar o estatuto suprapartidário  que desprezou no discurso em que surgiu com o quadro de Carlos III por trás, dizendo-se assim na linha ideológica do antecessor, que impusera o castelhano como língua única em todo o território espanhol?
A direita anti independentista nem sequer poderá alegar a falta de representatividade de quem decidiu estas eleições: com menos de 20% de abstenção, elas foram uma exemplar demonstração democrática. Doravante a realidade será definida pelo facto de quase todos os que vivem na Catalunha se terem pronunciado e os que exigem a separação política em relação a Madrid somarem 70 deputados nos 135 eleitos. Contra estes factos não há mais argumentos...

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Um ano excecional apesar das forças da natureza

A melhor demonstração do esgotamento do tema «Raríssimos» como arma de arremesso contra o governo foi a preocupação das direitas em virarem agulhas para o capítulo Montepio como se nele encontrassem a substância que se lhes esvaiu do anterior. No debate quinzenal de ontem ainda procuraram recauchutar os argumentos, que pudessem pôr em causa o ministro Vieira da Silva, mas com a convicção (ou a falta dela!) de quem sabe estar apenas a fazer um numero de retórica para os seus indefetíveis  - mesmo que dia-a-dia mais reduzidos - apoiantes.
Quer na Comissão que ouviu o ministro, e sobretudo a sua contundente Secretária de Estado Cláudia Joaquim, quer no plenário, onde António Costa espezinhou Hugo Soares e Assunção Cristas, as direitas ficaram condenadas a acabarem o ano a lamberem as feridas. Então aquele momento em que o primeiro-ministro confrontou a líder do CDS/PP com a irrelevância dos seus 2% nas últimas autárquicas quase daria ensejo para ter pena da criatura se ela não houvesse exagerado tantas vezes na má-criação e na mais descarada jactância nas últimas semanas.
A cena em que Cristas surgiu a reivindicar para o governo a que pertencera a grande parcela de sucesso por Portugal ter saído do lixo na notação de duas agências de rating ultrapassara todos os limites do absurdo. Sobretudo, porque, e tal qual Pedro Silva Pereira o lembrou no «Jornal de Notícias» a primeira agência a atribuir a Portugal a notação de "lixo" foi a Moody"s, mas só o fez a 5 de julho, levando o então primeiro-ministro Passos Coelho a queixar-se do célebre "murro no estômago". A Fitch foi a segunda, mas só tomou essa decisão bastante mais tarde, em 24 de novembro. Já a S&P, que foi a terceira, apenas baixou a notação de Portugal para "lixo" no ano seguinte, em 13 de janeiro de 2012ou seja, muito depois de José Sócrates ter deixado de ser primeiro-ministro. 
Se quisermos devolver o troco à argumentação das direitas - que nunca referem a crise internacional subsequente à falência da Lehman Brothers como causa primeira da que afetou Portugal em 2011 - podemos sempre considerar que foram elas a levarem a dívida soberana nacional para a classificação de «lixo» e terá sido o governo de António Costa a encontrar soluções eficientes para debelar tal constrangimento. Tal qual acaba este ano excecional com a conclusão da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, com o crescimento maior do século (2,6%), com a subida do emprego em 3,1%, com a descida do desemprego para 8,5%, com o aumento do investimento em 8,7% e das exportações em 7,7%. Mas há bastante mais a considerar como balanço do ano: o défice mais baixo em democracia (1,4%), os excedentes na balança comercial e de capital, bem como na de bens e serviços, e a eleição de Mário Centeno para presidir ao Eurogrupo.
É certo que ocorreram as tragédias inesquecíveis em Pedrógão e no dia 15 de outubro, mas só a má-fé dos detratores pode insistir na tecla da responsabilidade do governo: a excecionalidade das circunstâncias, que as causaram foi tal, que dificilmente algum poder teria hipóteses de contrariar o que foi a fúria descontrolada dos incêndios e dos ventos. E já o poema de Gedeão nos lembrava que as forças da natureza, nunca ninguém as venceu...

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Porque respeitamos o luto de Vera Ellen e não o da brasileira de Pedrógão

Às vezes podemo-nos questionar se este país tem algum conserto, sobretudo se nos ativermos ao que a comunicação social vai emitindo. Distanciarmo-nos dela por umas horas acaba por ser atitude judiciosa para a sanidade dos neurónios e sobrepõe-se como prioridade mobilizá-los para outros estímulos, que não os de uma Cristas a reivindicar para o desgoverno em que participou parte substancial do mérito da saída da notação de lixo pelas agências de rating,  ou a mal educada brasileira de Pedrógão a demonstrar, para quem dúvidas tivesse, que o seu propósito nada tem a ver com a tragédia, mas com a sua evidente ambição política.
Em dias assim a alternativa pode ser «Natal Branco», o musical de Michael Curtiz de 1954, que o meu amigo Henrique Nabais programou para uma sessão dominical na Associação Gandaia da Costa da Caparica e nos permitiu rever um universo de valores solidários cada vez mais ausente dos tempos atuais.  E então se olharmos para as nossas direitas, só as movem padrões opostos explicitados no permanente esforço de colorirem a realidade com a cinzentude medíocre das respetivas deformidades morais.
No filme temos protagonistas empenhados em convocar o melhor de si e dos que conseguem motivar para salvaguardarem o futuro de quem o parece não ter. Quem é que nas direitas de hoje pode reivindicar esse intento? Marcelo Rebelo de Sousa? Deixem-me rir: por muito que os seus defensores teimem em não querer ver, ele continua a ser quem sempre foi e a idade acrescentou-lhe defeitos não lhe trazendo nenhumas qualidades complementares.
Para além da conhecidíssima canção, que ouviremos repetidamente nos próximos dias, «White Christmas» também tem a espantosa Vera Ellen, por muitos considerada como a melhor bailarina a ter alguma vez pisado os palcos da Broadway, superando em muito Ginger Rogers, Cyd Charisse e outras que tais. Ora, durante a rodagem do filme ela engravidou da única filha, que faleceria aos três meses com o síndrome da morte súbita. O que lhe aconteceu depois? Apesar da brilhante carreira, que estava a ter logo a abandonou e pouco mais se deixou ver nas telas de cinema ou nos palcos. O desgosto por tal perda tolheu-lhe a vontade para cantar e dançar como até ali.
Um luto desse tipo justifica o nosso respeito. Não o da tal brasileira, que nos vai assombrando naqueles curtos instantes em que o zapping resolve a indesejada intromissão no nosso quotidiano. Irrita ouvi-la perorar como se fosse dona da razão, algo de que muito desconfiamos. Porque a perda do filho - que estava confiado ao pai de quem ela se separara! - não merece que nos questionemos quanto á sua responsabilidade? Teria ele falecido na estrada da morte se ela o tivesse consigo? Daí que repugnem as suas palavras sobre o primeiro-ministro, que achou desmerecedor de ser convidado para partilhar com ela, e com quem ela manipula, as filhoses e as fatias douradas da festa de Natal.
Alguém duvida que ela não sabe quem anda a mobilizar fundos para a reconstrução das casas e das vidas de quem sobreviveu? Terá ouvido o bombeiro, que agora regressou a casa após longa hospitalização, a dizer quanto teria sido impossível vencer o monstro de fogo, que se abateu naquele dia sobre aquela região? E haverá quem não desconfie da intenção de atiçar confrontos institucionais entre Belém e São Bento?
Marcelo denuncia neste, e em muitos outros casos, a sua ambiguidade ética, e isto para lhe ser simpático na qualificação. Porque acaso não fosse viperino o sorriso aberto com que posa para as selfies dos estarolas, aceitaria ser figurante principal de uma farsa, que pretende empolá-lo para melhor denegrir António Costa? Também ele sabe que nem uma única casa de Pedrógão é reconstruída por sua implicação direta nas decisões, que cabem apenas ao executivo. No entanto ele é aquele que surge neste filme como o pretenso progenitor de filhos que não são seus...

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Encaremo-nos ao espelho antes que fiquemos mais feios

Hoje ainda não liguei a televisão. Daí que desconheça qualquer desenvolvimento no caso Raríssimos. Corro, pois, o risco de estar a passar ao lado de alguma evolução palpitante, sem que ela venha aqui contribuir à minha reflexão. Mas o dia de ontem foi elucidativo quanto ao que está em causa politicamente: a incessante busca do escândalo alheio pelas direitas orgânicas e não orgânicas como forma de encontrarem uma brecha no muro espesso, que as promete afastar duradouramente do poder.
Que importa se os seus telhados são de vidro tão fino, que pedradas bem calculadas lhos permitiriam estilhaçar? Convencem-se - e têm razões fundamentadas para tal crerem - que a cobertura quase hermética neles assentes por uma comunicação social e um aparelho de justiça concertados para soprarem ventos na direção contrária, perdurará o bastante para que nenhuma tempestade se venha sobre si desabar. Mas será que o abuso dos mortos de Pedrógão, a exploração nauseabunda de um mais do que suspeito caso judicial e a caterva de insinuações quotidianas bastarão para suster a força da verdade dos factos?
A tal ponto alguns setores dessas direitas começam a descrer da possibilidade de verem bem sucedida tal estratégia, que estão a apostar seriamente no recurso às fake news. Que outra explicação pode haver para a publicação da notícia sobre a quadruplicação dos subsídios à Raríssimos senão criar mais um foco de agitação antigoverno durante as horas bastantes para que os mais incautos com ela se indignassem e confirmassem as suspeitas anteriormente criadas pelos mesmos focos de manipulação mediática sobre o ministro Vieira da Silva? Paulo Baldaia, um serventuário medíocre do governo anterior continua a cumprir o papel de marioneta que os seus donos lhe impõem à frente do «Diário de Notícias».
Como poderiam os tais ingénuos alimentar sequer dúvidas sobre a probidade do ministro se teria aprovado as contas, que agora mandara auditar, como o diziam as notícias de abertura dos telejornais e os títulos de primeira página dos jornais? Seria só por ignorância ou por pura malvadez que esses «jornaleiros» afiançavam algo tão rotundamente falso como Daniel Oliveira trataria de, superlativamente, esclarecer: O terceiro sector não está sob tutela do Estado. Como 75% dos recursos da Raríssimas não são públicos, não é o Estado que anda a ver se gastam o dinheiro em gambas e vestidos. Isso cabe aos órgãos da própria associação. (…) O que a Assembleia Geral aprova são as contas, conhecendo as grandes rubricas. Não estão lá as gambas e os vestidos. Desde que as IPSS foram dispensadas de ter revisores oficiais de contas, que teriam deveres diferentes, a Assembleia Geral só poderia conhecer esses abusos se o tesoureiro os reportasse. Ora o delator de serviço, agora meio acabrunhado por lhe darem os quinze minutos de fama a que tanto aspirara, teria esperado seis anos para desmascarar a trafulhice em que fora cúmplice ativo. E acrescenta Daniel Oliveira: “Não à Assembleia Geral, como era seu dever, mas à TVI.
Claro que quem conhece o funcionamento das Assembleias Gerais de instituições como a Raríssimos sabe bem que quem a elas  pertence como dever cívico, mais na lógica de dar conforto honorífico à sua atividade - que presume irrepreensível - não vai detalhar números de relatórios ou orçamentos que provavelmente nem chega a abrir. Daí que a tentativa das direitas tenha também uma constante: abater tanto quanto possível os mais competentes ministros deste governo. Há um ano estavam com a mira postada em Centeno, agora pretendem-na manter focada em quem muito sabe sobre a governação das matérias relacionadas com o Trabalho e com a Segurança Social.
A concluir vale a pena olhar para a constatação que, deste caso, retira Rui Tavares na sua crónica no «Público»: “há dias em que olho para o nosso debate público (…) e penso que está na altura de fazer a pergunta incómoda: estará a nossa necessidade de ódio, na política como na religião como no futebol, a ficar impossível de satisfazer? Encaremo-nos ao espelho antes que fiquemos mais feios.