Nunca fui a Praga, nem quase por certo irei, embora ouça lautos elogios de quem se predispôs a conhecer-lhe os monumentos e a perspetiva do Moldava a partir da Ponte Carlos. Curiosamente de ninguém escutei referência ao labirinto de espelhos, que Milan Kundera nela identificou, nem dessas verdades enganadoras dos rostos e corpos por ele plantadas no seu mais conhecido romance: A Insustentável Leveza do Ser.
Quando o li não encontrei uma tão veemente crítica ao comunismo, quando alguns quiseram nele associar. Ao contrário de Vaclav Havel, que se tornou num peão sem escrúpulos das estratégias norte-americanas para os países do antigo bloco de leste, Kundera manteve algo do idealismo comunista dos anos do pós-guerra por muito que a formatação estalinista o tivesse forçado a procurar a liberdade criativa no exílio parisiense desde 1975. Donde ninguém o conseguiu arrancar, escusando-se a voltar a Praga para colher reconhecimentos, que pouco se coadunariam com o ceticismo por quanto ali sucedeu desde 1990.
E, no entanto, ele não se escusa a abordar o esmagamento da Primavera de 1968, quando os soldados do Pacto de Varsóvia deram de caras com uma juventude irreverente, que os confrontava com o carácter obsoleto do que defendiam e representavam. Tomas, o cirurgião, que perde o emprego por delito de opinião, até encontra vantagens na condição de empregado da limpeza por lhe dar asas para as aventuras eróticas, que constituem a sua quase exclusiva ambição. Para desilusão de Tereza, que desejaria atrai-lo para uma exclusividade amorosa, que só ela ambiciona. Por isso é mais importante para ela partir do que para ele. Porque, na liberdade de se ser o que se deseja, as ambições pessoais podem dispensar as coletivamente almejadas por quem facilmente se deixa manipular por conceitos que só ilusoriamente lhes conferirão maior liberdade. Ou não sobrem grilhetas no capitalismo puro e duro na sua versão neoliberal.
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