segunda-feira, 16 de maio de 2022

Fanáticos são só os outros?

 

No essencial estou plenamente de acordo com o que Carmo Afonso tem escrito na última página do «Público», mormente em relação à guerra na Ucrânia. Nomeadamente em relação ao que possa ser defendido ou contrariado por quem se posicione politicamente à esquerda e sabe que, quer Putin, quer Zelenskii, representam fações distintas de uma mesma direita, ambas de duvidosas credenciais democráticas - algo que não é necessário demonstrar em relação a quem manda no Kremlin, mas convém lembrar para quem, em Kiev, ilegalizou quem, no Parlamento, representava 44% do eleitorado do seu país. Por isso concordo quando a colunista escreve: “Não existe nenhum reduto de esquerda nesta guerra e não é costume que isto aconteça. É natural então que a esquerda esperneie tanto à procura de uma posição onde se sinta confortável. Essa posição não será encontrada. A esquerda não pode ambicionar encontrar uma posição que combine com aquilo que não existe: um lado nesta guerra com o qual se possa identificar politicamente.”

Daí que reste à esquerda “condenar a invasão, como se condenam os crimes violentos, mas não pode aderir à narrativa da luta pelos nossos valores ou da luta pela democracia. Não é na Ucrânia que os valores que a esquerda defende estão a ser defendidos ou atacados: eles são, ali, um não assunto.”

Não falta, porém, quem quer conciliar valores “democráticos”, e até “socialistas”, com a narrativa abundantemente propagandeada por um dos lados do conflito, silenciando, deturpando ou relativizando o que provém do outro lado. Faz por isso todo o sentido o que Vitor Belanciano escrevia ontem no mesmo jornal e se ajusta, como uma luva, aos que ouvem os telejornais dentro do seu pensamento mágico: “A maioria das pessoas só ouve o que quer ouvir. Procuram o reforço, não a dúvida. Fecha-se a porta à discrepância, ao saber mais, à omnipresença do heterogéneo que faz da vida algo com ambiguidades, nuances e arestas. Sem questionamento e disponibilidade para escutar outros motivos, os nossos argumentos tornam-se crenças, lugares-comuns, preconceitos ou dogmas. Prestamos atenção e atribuímos credibilidade ao que nos credita. Evitamos o que nos ponha em causa.”

Muito embora olhem os islamitas e outros radicais como um bando de fanáticos incapazes de olharem para um lado da realidade e para o seu reverso, mostram-se incapazes de compreender quanto da mesma cegueira facciosa  subsiste dentro de si...

1 comentário:

  1. A lógica de Carmo Afonso parece-se muito com a dos 'Ni Macron, ni Le Pen'. Lamentavelmente, não há uma terceira alternativa, pelo que não escolher o mal menor equivale de facto a ficar do lado do mal maior. E isso seria particularmente grave porque retirar o apoio militar à Ucrânia implicaria permitir a vitória da Rússia.

    Nem o nacionalismo ucraniano nem o russo correspondem exatamente aos valores universalistas de que se arroga a Esquerda, mas sucede que o russo é também imperialista e uma vitória da Rússia equivaleria a uma derrota do princípio do direito dos povos à autodeterminação, um valor central da Esquerda.

    Seria um pouco como não prestar auxílio a uma Polónia invadida por Hitler, porque o seu Governo não era exatamente democrático.

    Como vi uma certa Esquerda no início deste processo a colocar-se do lado da Rússia a bem do mundo multipolar ao lá o que é, a mesma Esquerda que agora está tão preocupada com a escalada bélica, mas não tem uma palavra de apelo à Rússia para que se retire e cumpra com o DI, Rússia essa que foi justamente o País que iniciou essa escalada, a mim isto soa-me a hipocrisia.

    Porque é que as Carmos Afonsos deste mundo não confessam antes que estão secretamente a torcer por Putin?

    Sempre seria mais honesto do que entregarem-se a estes exercícios de racionalização idiota, agora que verificaram que o seu paladino não passa de um rufia armado com armas nucleares e que não é pois uma companhia recomendável...

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