segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Uma questão de carapuças

 

1. Não é preciso ser letrado para saber que chapéus há muitos, mas cada um é livre de enfiar a carapuça, que melhor lhe aprouver por muito quadrada, que seja a sua cabeça. O problema reside no que acabam por denunciar as suas escolhas.

Semanas atrás houve quem quisesse enfiar a de Salazar com a habitual pose de pimpão, que ainda acabará por o fazer estampar-se, quando a sua insignificância arrivista ficar evidente perante os seus muito iludidos seguidores. Este fim-de-semana constatámos que sobra quem se sinta confortável com a inspiração de um Trump em desconcertante escolha de marketing político, tendo em conta o parco apreço aqui dedicado ao dono de tão alaranjada trunfa.

Num e noutro caso as piscadelas de olho aos prosélitos falam por si e revelam o que vai na alma de gente sem quaisquer ideias para o país, mas julgando ter futuro na espúria maledicência contra quem as tem. Porque bem podem os meios de comunicação repetir a receita goebbelsiana  de mentir muito - de sempre mentir! -, que as teses sobre o suposto desgaste da ainda atual solução governativa peca por falta de demonstração. Que haverá a dizer sobre a capacidade de continuar a superar-se a terrível crise sanitária e económica suscitada pelo coronavírus sem que uma e outra redundem numa descontrolada crise social? Muitas vezes tem sido glosada a questão, mas ela continua a fazer inteiro sentido: será possível não sentir um sobressalto perante a hipótese de toda esta situação ter sido enfrentada por um Passos Coelho, um Rui Rio, um Paulo Rangel ou um qualquer outro cabeça-de-cartaz de uma oposição de direita incapaz de um projeto para um melhor futuro, mas bastando-se à daninha intenção de o tornar ainda mais sombrio do que as alterações climáticas o esboçam?

2. Não deixa de ser eloquente o silêncio dos nossos telejornais quanto à vitória de Gabriel Boric no Chile. Enfatizam-se as novas restrições europeias ou o rasto de destruição causado por um tufão nas Filipinas, mas não há qualquer referência à prodigiosa vitória da esquerda chilena comemorada em exaltantes festas em todas as cidades do lado ocidental da cordilheira andina. E, no entanto, tivesse sido o discípulo de Pinochet a ganhar e não faltaria a sua chamada aos destaques noticiosos de acordo com o que, lamentavelmente, são as escolhas editoriais de quem os dirige.

Derrotando o passado e prometendo políticas que revertam as que privatizaram a saúde e tornaram inacessível a educação aos mais pobres, Boric tem diante de si as alamedas largas referidas por Salvador Allende no seu inesquecível discurso de despedida.

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