quarta-feira, 3 de março de 2021

Sinais do Antropoceno

 

As alterações climáticas já são sentidas na pele por milhões de pessoas, que habitam neste planeta cada vez mais ameaçado. Temperaturas elevadíssimas, secas, incêndios gigantescos, cheias, inundações, degelo dos glaciares, tempestades devastadoras - não faltam notícias sobre populações a contas com as consequências de fenómenos de uma dimensão jamais conhecida nas décadas, senão mesmo séculos, mais recentes.

Em Verkhoiansk, na Sibéria russa, já dentro do Círculo Polar Ártico, viram-se os termómetros chegarem a 38ºC em junho do ano passado. O que está em consonância com a realidade testemunhada nos dados científicos quanto a uma aceleração no aumento das temperaturas nessas regiões setentrionais, a um ritmo que é entre duas e três vezes mais significativos do que no resto do planeta. Daí que o pack ice, esse gelo ancestral, que há milhares de anos se mantém na forma sólida, vá minguando na área coberta sobre o respetivo oceano. Com consequências fatais para os ursos polares e para as focas, que aí ainda sobrevivem.

Na Groenlândia a calota polar vai recuando a exemplo do que sucede com os glaciares das montanhas em quase todos os continentes e latitudes. As diferenças constatáveis em fotografias da mesma zona do Monte Branco com cem anos de diferença não deixam margem para dúvidas...

Como resultado desse degelo a superfície dos oceanos está a subir: nos últimos cem anos já correspondeu a 15 centímetros, mas acelera-se desde há trinta o que aponta para a forte probabilidade de outros 15 cm acontecerem em menos de meio século.

Num efeito dominó dessa subida dos oceanos muitas zonas costeiras dos diversos continentes e alguns dos mais importantes deltas já estão permanentemente ameaçados de submersão. Em muitos casos estamos a falar de megacidades com mais de 10 milhões de habitantes como Mumbai, Calcutá, Dacca ou Miami. Mas também tendem a desaparecer as ilhas do Pacifico onde a morte dos recifes coralíferos inibe-os de se constituírem como primeira linha de defesa contra a subida das águas durante as tempestades. 

A desregulação climática também agudiza a sexta grande extinção em massa da fauna e da flora mundial com milhões de espécimes a desaparecerem sem encontrarem viabilidade em ecossistemas muito diferentes daqueles a que se haviam adaptado.

Os acontecimentos extremos repetem-se com uma maior regularidade como se o furacão Katrina, em 2005, apenas viesse anunciar todas os cataclismos verificados desde então. Por exemplo em 2019, quando a Austrália conheceu os terríveis incêndios, que mataram um bilião de animais e reduziram a cinzas doze milhões de hectares de florestas, pastos, terras aráveis e povoações. Portugal, Sibéria, oeste dos EUA Indonésia e Amazónia foram outros palcos de fogos incontroláveis, nos dois últimos casos como consequência direta da desflorestação.

No mesmo ano de 2019, além de Portugal, também a França, os Países Baixos e a Alemanha bateram recordes nas temperaturas altas - muito acima dos 40ºC -  desde que se conhecem registos fiáveis desses indicadores. Hoje calcula-se em 30% a percentagem da população mundial afetada por fenómenos extremos de temperaturas elevadas com os correspondentes efeitos na sua saúde.

O aquecimento global está ainda a reduzir a pluviosidade, aumentando a desertificação de territórios ainda há pouco tempo verdejantes, agora reduzidos a solos gretados nos EUA, na bacia mediterrânica, no Sahel, na Índia ou na África Austral. Nesta última constata-se que 45 milhões de pessoas incorrem no risco de morrerem de fome no Zimbabwe, na Zâmbia, em Moçambique e em Madagáscar.

Daí os crescentes fluxos migratórios como o ocorrido com um milhão de pessoas forçadas a sair da região de Xangai em 2019, quando um tufão ameaçou-as de serem vítimas potenciais dos seus efeitos. Nesse ano, um pouco por todo o mundo, 24 milhões de pessoas fugiram das suas casas por efeitos do clima, ou seja três vezes mais do que as deslocações causadas pelas guerras. Sem entrarem para essas contas  os emigrantes africanos, que atravessam o Mediterrâneo por razões económicas, afinal originadas pelas mesmas razões climáticas.

Perante as agruras climáticas os habitantes do planeta não estão em pé de igualdade: os países mais vulneráveis situam-se na África, na América Latina, na Ásia do Sul e do Sudeste. As catástrofes são aí calamitosas por associarem-se à pobreza e à inexistência de estruturas sanitárias. Paradoxalmente esses países são os que menos produzem emissões gasosas com efeito de estufa. Os que mais mal se comportam - a China, os EUA, a União, Europeia, a Índia, a Rússia e o Japão  - assumem uma responsabilidade mundial, que só mitigadamente se vai incrustando nas consciências e a traduzir-se na preocupação em criar políticas capazes de infletirem as causas do aquecimento global.

A Dinamarca, a Suécia ou Marrocos estão a salientar-se na substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis. Mas também já muitas cidades, independentemente dos seus governos, que estão na primeira linha para promoverem essa mudança. 

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