quarta-feira, 17 de março de 2021

Lisboa em pandemia e em vésperas de autárquicas

 

Um destes dias vi um documentário de meia-hora sobre no que se tornou Veneza neste tempo de pandemia. Porque o afluxo de sucessivas vagas turísticas e de interesses imobiliários tornaram impossível a vida dos habitantes da cidade à beira da laguna, muitos deles não tiveram outra hipótese, que não fosse mudarem-se para outras paragens. Resultado: sem os enormes navios de cruzeiro, que constituem absurda realidade, quando transformam o Campanile numa minúscula torre, e com os donos de muitas das villas acoitados do vírus em sítios menos por ele afetados, os últimos moicanos da cidade vagueiam pelas ruas e canais desertos a ouvirem apenas o eco dos seus próprios sapatos.

É verdade que Lisboa não chegou ao descalabro da cidade italiana quanto à sua gentrificação, mas não houvesse esta crise para lá parecia andar. Bairros há em que boa parte da população tradicional viu-se expulsa por políticas, que tiveram o seu esplendor quando Assunção Cristas lançou uma lei de arrendamento urbano destinada a facilitar a expulsão dos inquilinos dos prédios mais antigos para que os interesses imobiliários - alguns deles financiadores dessa excrescência civilizacional que é o partido da ignóbil criatura! - fizessem lucros obscenos.

A eleição autárquica deste ano parece mobilizar a direita em torno de outro putativo salvador, vindo do passado desastroso da troika, mas supostamente redimido pelo mandato de comissário europeu. Não é que dele se tenham conhecido grandes laivos de competência, mas os jornalixeiros cuidam de multiplicar essa mensagem para conseguirem o efeito goebbelsiano de convencerem os incautos inocentes. E, no entanto, são comentadores da sua área a porem algum comedimento na fervura, porque Medina travou a tendência da ocupação neoliberal de boa parte da cidade pelos interesses imobiliários, mas não lhes pôs termo. Ora o que sobra como discurso para Moedas? Prometer que volta a dar fogo à expulsão dos eleitores lisboetas para que, nas suas casas, venham residir franceses ou ingleses abonados, seja por as comprarem aos senhorios, seja porque o negócio do airbnb poderá conhecer uma retoma com o retorno dos fluxos aéreos?

A exemplo de outros nomes em quem as direitas apostam numa lógica de barro atirado à parede para verem se algum pega, Moedas é muito fácil de derrotar por Medina. E, mesmo que este delas precise, as demais esquerdas já tacitamente deram anuência a poder com elas contar para que as direitas não façam de Lisboa o cavalo de Troia com que se julguem próximas da reconquista do poder. Mas enquanto o mito durar, vai o jornalixo tendo com que se entreter...

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